Em Curitiba, como em outras regiões do país, as décadas finais do período monárquico também foram marcadas pela emergência de associações organizadas e mantidas por trabalhadores e trabalhadoras. Entre os diversos tipos de agremiações do período, destacavam-se as mutualistas, criadas em função da precariedade das condições de vida e trabalho da população mais vulnerável. Na capital do Paraná, uma dessas agremiações foi a Sociedade Protetora dos Operários, fundada em janeiro de 1883, por Benedito Marques dos Santos, mestre de obras, em relação ao qual algumas memórias registram que vivera anteriormente na condição de escravizado. Tenha ele vivido ou não diretamente a experiência da escravidão, o fato é que a presença de trabalhadores negros foi expressiva na agremiação, desde sua fundação e pelo tempo em que esteve em funcionamento.
Benedito Marques dos Santo. Jornal do Estado, 29/01/1992 – Biblioteca Pública do Paraná
A primeira sede da “Operário”, como passou a ser chamada, ficava na casa do ex-escravizado João Batista Gomes de Sá, localizada na Rua do Mato Grosso (atual Comendador Araújo) o qual também ocupou a função de procurador e presidente da sociedade durante os seus primeiros anos de funcionamento. Pouco tempo depois de sua fundação, a sociedade adquiriu um terreno no Alto São Francisco na Rua Desembargador Ermelino de Leão em frente à Praça João Cândido, onde permaneceu por décadas. Atualmente apenas a fachada da edificação se encontra em pé, embora bastante avariada.
Sócios em frente à sede da Sociedade Protetora dos Operários – foto sem data e sem autoria. Acervo Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba
Durante os anos que funcionou como agremiação beneficente, a Sociedade Protetora dos Operários arrecadava fundos para auxiliar seus sócios em caso de doenças e morte. Eram esses seus objetivos centrais. Com o tempo, outras demandas foram surgindo e a sociedade passou a contar com uma biblioteca e uma escola noturna para instrução dos seus sócios. Em 1932 a escola se chamava Escola Operária Benedito Marques e o professor, na ocasião, era Adolpho Britto, outro homem negro descendente de escravizados.
Estatutos da Sociedade Protetora dos Operários. p.7. Arquivo Público do Paraná – DEAP – AP0883.
Ainda nos primeiros anos de sua existência, a identidade em torno do trabalho ganhou força na Sociedade Protetora dos Operários, o que resultou em festas de comemoração do 1º de Maio, discussões sobre o sistema capitalista registradas nas Atas e adesão a greves. Seu caráter multiétnico e identidade fortemente ligada ao trabalho, entretanto, não diminui a importância da participação de trabalhadores negros para sua organização, funcionamento, atuação mutualista e militante.
Sócios em frente à sede da Sociedade Protetora dos Operários – Jornal do Estado, 29/01/1992 – Biblioteca Pública do Paraná, Seção Paranaense
Até o final da década de 1990, a “Operário” ainda realizava festas no dia 28 de janeiro para comemorar a data de sua fundação. Em geral eram bailes, nos quais , sua história era rememorada pela imprensa, com a intenção de mantê-la viva no imaginário de uma parcela da sociedade local. Embora os bailes e festas tenham ganhado um papel de destaque no cotidiano da sociedade, a partir da década de 1950 ela continuava a ser identificada como um local que abrigou as lutas dos trabalhadores a partir da iniciativa de Benedito Marques. No seu auge, essa agremiação chegou a contar com 500 sócios, atuante até os anos 2000, quando passou a funcionar somente como casa de shows.
verbete elaborado por Pâmela Beltramin Fabris – dezembro 2019
Universidade Federal do Paraná – doutoranda
Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, Silvia; CARDOSO, Alcina. Jornalismo e militância operária. Curitiba: Ed. da UFPR, 1992.
MENDONÇA, J. M. N. ; FABRIS, P. B. . Os trabalhadores têm côr: militância operária na Curitiba do Pós-Abolição. In: RIBEIRO, Luiz Carlos; GRUNER, Clóvis. (orgs.). Utopias e experiências operárias – ecos da greve de 1917 . São Paulo: Intermeios, 2019, p. 75-92.
RIBEIRO, Luiz Carlos. Memória, trabalho e resistência em Curitiba (1890-1920). 263f. Dissertação (Mestrado em História – USP), São Paulo, 1985.
VASCO, Edimere. S.A cultura do trabalho na Curitiba de 1890 a 1920. 122 f. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006