Ficha Técnica
Entrevistado: André Luiz Rabello de Mello Brito
Entrevistadores: Joseli Mendonça, Nei Luiz Moreira de Freitas e Pâmela Fabris.
Local: Curitiba (PR), na residência do entrevistado.
Data: 15/01/2018
Duração: 2h05m21s
Páginas: 54 páginas
Degravação: Julyane Cequinel Hul [com observações sobre condições, feitas pela equipe]
Observações: A entrevista ocorreu na casa de André Brito, em ambiente bastante descontraído, na presença de sua esposa e filha pequena. Por isso, há bastante conversa paralela que não foi transcrita pois, além da dificuldade de compreensão, estando fora do contexto da entrevista, não altera o conteúdo relevante.
Como referenciar
BRITO, André Luis Rabelo de Melo Brito. Entrevista a Joseli Mendonça, Nei Luiz Moreira de Freitas, Pamela Fabris. Curitiba (PR), 15/01/2018. Disponível em https://afrosul.com.br/entrevistas/
Legendas:
A.B.: André Luis Rabelo de Melo Brito
J.M.: Joseli Maria Nunes Mendonça
N.F.: Nei Freitas (além de membro da equipe do projeto Afrodescendentes na Região Sul, Nei é primo do entrevistado).
P.F.: Pamela Fabris
V.S.: Vivian Regina Sampaio Stedile.
Entrevista
[ligamos o gravador quando havia conversa na sala, envolvendo a filha de André. Ao darmos início, André já iniciou falando, levando em consideração nosso interesse, que manifestamos a ele anteriormente, por meio de Nei. Nós o deixamos à vontade para falar].
A.B. – Bom, mas… Na questão, assim, da origem, não é? De como começou essa minha curiosidade sobre a família… é para… Eu comecei a querer saber a origem do sobrenome do meu pai que é Brito, não é? O outro lado da minha família lá, que tem origem portuguesa, lá da minha mãe lá, a gente já meio que sabe… assim… bastante coisa. E da questão do meu pai, eu só sabia até os avós dele, que é o Adolfo e a Vicentina. Daí, através da Vicentina que eu conheci o Nei. A gente foi fazendo uma pesquisa, eu comecei, acho que em 2012, comecei a ir no cartório. Eu ia lá naquele cartório Leão, e daí ficava tentando achar lá o… certidão de óbito do meu avô, da minha avó… lá… bisavô… quer dizer… não é? E daí tentei indo lá também…
J.M. – O seu nome completo é…?
A.B. – Meu nome é André Luiz Rabello de Mello Brito.
J.M. – Então, do teu pai, de Mello é…
A.B. – O Rabello de Mello é da minha mãe, e Brito do meu pai.
J.M. – Uhum.
A.B. – E, então desse lado da minha mãe, a gente já meio que sabia… assim… os ancestrais, tudo, da onde vieram. E do lado do meu pai que eu queria saber, não é?
J.M. – E vocês sabiam, André… como, assim? Era a tua mãe que falava? Da família da tua mãe você diz que vocês sabiam, não é?
A.B. –É… não… é que tem bastante… Tinham tias, minha avó… assim. Minha avó morreu, acho que com uns noventa e nove anos. E ela morou um tempo lá em casa, quando eu era criança. Daí eu ficava conversando com a minha avó. Minha avó nasceu em 1908, não é? Mas ela era mãe da minha mãe.
J.M. – …da tua mãe…
A.B. – E daí eu ficava perguntando pra ela: “ah, como é que era no teu tempo? Quando você era criança?” Daí ela: “ah, não tinha nem rua aqui em Curitiba, era tudo chão batido, carroça.” Carro ela foi ver só adulta já, eu acho. E daí eu ficava nessa curiosidade, assim. Então, desse lado da família, tenho tudo já anotado, tudo assim… não é? Tem bastante português, e tal. Então…
J.M. – E foi você também, que organizou mais ou menos essa memória do lado materno?
A.B. – Não, essa memória já tinha. Já tinha um.. Já tinha um escrito lá, tinham fotos, já tinha tudo. E daí eu comecei a querer saber do meu pai. Eu falava: “bom, do meu pai…”
J.M. – Nessa época, desculpa, que você queria saber, você ainda convivia com teu pai?
A.B. –Não… convivia, sim. Daí ele falava, assim, um pouco do pai dele, do Vicente Brito, não é? E daí da parte da mãe dele, também é portuguesa, a gente acha que é mouro, assim, ele também sabe, sabia bastante coisa. Minha avó era branca, assim, portuguesa. Não era portuguesa, mas ela era de sangue português. E pela parte do meu pai, que era família negra, que eu queria saber da onde que veio. Eu ficava imaginando: “ah, o sobrenome Brito deve ser de algum senhor de escravos, alguma coisa.” Que eu queria chegar nesse nome não é? De quem que era. Só que daí eu fui nessa pesquisa, daí eu perguntei pro meu pai quem que era o avô dele e tal, daí ele falou que era o Adolfo, que era o… Foi, acho que um dos primeiros professores negros da Federal, e daí eu fiquei curioso sobre ele e tal, fui no cartório Leão, pesquisei algumas coisas lá. Certidão de Óbito, eu não consegui achar, mas achei de nascimento, se eu não me engano.
J.M. – Do Adolfo?
A.B. – É, do Adolfo. Agora eu não me lembro, mas eu achei algum negócio do cartório dele, lá. E daí eu achei a da Vicentina. Eu achei a história interessante, que é a mulher do Adolfo, não é? Que eu achei interessante que ela tinha se suicidado. Que ela tinha tomado acho que é naftalina na coca cola, um negócio assim e se matou. Daí eu fiquei… não é? “Pô, mas que história, não é?” E daí comecei a pesquisar a história dela, daí eu fui no cartório, eu achei mais algumas coisas lá e eu consegui achar o nome do pai dela que era o Vicente Moreira de Freitas. Daí, esse nome… daí eu olhei, lá estava como cútis branca, não é. Daí me encasquetou mais a história ainda, eu falei: “pô, mas será que ele era o pai mesmo, ou não era, e tal?” Daí fiquei nessa encasquetado, daí a gente foi na Catedral, fui com a minha esposa lá procurar livros antigos lá sobre essa época e tal. E daí por um acaso, eu estava folheando um livro e ela… Eu estava com o dedo bem em cima, o dedão bem em cima do nome: Vicente Moreira de Freitas. E ela [refere-se à esposa] que viu. Ela falou: “calma aí.” Eu estava quase passando a página. Daí ela falou: “está aqui, olha.” Daí a gente leu lá, era o casamento dele na igreja, na Catedral com a Olimpia, que é a mulher dele, não é? Daí ali dizia lá: “filho de Matildes”, não é? Só que, na época quando a gente tentou decifrar aquela letra lá, a mulher da Catedral falou que era Matelon, minha esposa também achou que era Matelon, e eu fiquei com esse nome não é? Falei: “olha, consegui avançar mais duas gerações”, não é? Daí fiquei nisso daí, mas daí fiquei num beco sem saída, não é? Consegui achar essas informações, mas não… Fiquei ali naquilo. Daí saiu a matéria do Vicente na Gazeta do Povo, se não me engano. Eu acho que foi até minha mãe que falou: “ah, olha, saiu do Vicente e não sei o que”. E daí tinha a pessoa que escreveu a matéria, foi o Thiago. [refere-se a Thiago Hoshino]
N.F. – Thiago.
A.B. – É, daí eu entrei em contato com ele e falei: “pô, sou tetraneto do Vicente lá e tal”. E expliquei. Daí ele falou que conhecia um membro da família que era o Nei.. também, e daí a gente marcou pra se encontrar. Demorou um tempão [riso], mas conseguimos marcar e daí…
J.M. – Quando foi isso?
A.B. – Acho que faz uns dois anos, não é?
N.F. – Dois anos.
A.B. – Mais ou menos isso.
N.F. – 2015, foi em 2015.
J.M. – Então foi 2015 que vocês se encontraram? E, assim, o que ajudou vocês a se encontrarem foi a matéria no jornal sobre o Vicente?
A.B. – Foi a matéria. Não… senão nem ia saber. Ia ser muito difícil a gente se encontrar pelos cartórios, ali… não… Porque geralmente você pesquisa para trás, não para frente, não é? Então…
N.F – É, e na verdade eu encontrei o teu pai primeiro, não é? Eu fui na casa do teu pai.
AB: É? Ah, é.
N.F. – Você chegou mais tarde, mas eu encontrei ele primeiro.
A.B. – Não, mas eu estava… É, mas eu estava lá. É.
J.M. – O pai do André é o Rui?
N.F. – É o Rui.
A.B. – É o Rui. E daí, só que o meu pai, ultimamente, assim… ele está meio esquecido, assim, sabe? Eu fico tentando forçar essas memórias, essas coisas, mas não… Dali já não sai muito mais. E daí eu achei interessante, porque o Nei estava na mesma pegada que eu, só que a gente não se conhecia. Mais ou menos na mesma época, pesquisando a mesma coisa. Então foi uma coisa interessante, assim. Daí, através dos métodos que o Nei me ensinou, lá, de achar na memória, aqueles jornais antigos, e coisa. Daí, ali, nossa… Começamos a achar, achar um monte de coisas e fomos decifrando cada vez mais.
J.M. – André, quanto tempo faz que você, assim, quando você começou a ir atrás, assim, ir no cartório, quanto tempo mais ou menos faz isso?
A.B. – Olha, eu lembro, assim, que eu tinha um escritório ali no Portão, daí às vezes eu ficava meio ocioso, tempo ocioso, assim, daí eu ficava pesquisando no Google, mas eu não consegui achar, assim. Então isso daí foi de 2011, 2012, assim. Mas eu comecei a ir no cartório mesmo, pessoalmente lá buscar os livros, em 2012. Mas a curiosidade, assim, eu sempre tive, não é?
J.M. – Esse sempre que você diz é sempre desde quando? Desde criança?
A.B. – É, eu não sei… É que eu era criança, daí eu estudava História, não é? Daí eu estudei no Positivo Júnior, e todos os meus amigos lá, filhos de alemão com sei lá o quê, não é? Tinham ancestrais, assim, sabiam a família inteira. E eu ficava meio assim, não é? Eu falava: “pô, eu sei, mas sei da parte da minha mãe ali só, da parte do meu pai, não sei.” E eu sempre fui bom em História, assim, não é? Eu… Tanto que eu nem estudava, assim, para as provas, passava tudo direto. Porque eu gostava bastante de História. E foi uma curiosidade, assim, que eu fiquei, não é? Fiquei encasquetado com isso. Falei: “pô, porque que todo mundo sabe e eu não sei, não é? Da minha ancestralidade?” E ainda mais aqui no sul que é bastante racismo, não é? E tudo. Então para você resgatar tua herança negra, assim, é mais difícil ainda, não é? Eu já esbarrei em pessoas, assim, até dentro ali do cemitério do Água Verde, que eu fui lá tentar ver o túmulo da Vicentina, eu sei que ela está enterrada lá, mas não consigo achar. E daí a mulher virou pra mim e falou assim: “ah, se fosse algum nome de alemão até poderia achar, mas esse nome aí não vai achar.” Falou bem assim para mim. Daí eu fiquei, assim, “p” da vida, mas eu falei: “não, então tá”. E ela disse também…]
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – […] os arquivos para trás de 1950 não estavam informatizados e tal, daí estava tudo em caixas. Eu senti uma má vontade, assim, dela, não quis nem saber, então… Mas… Mas o que eu noto, assim, que são poucas pessoas que têm interesse nesse resgate negro, não é? Principalmente aqui no sul que a gente vêm de uma imagem muito do europeu. Já cheguei a ouvir falar: “ah, nós europeus do sul, aqui”, e tal. A gente é brasileiro, pô. Isso é óbvio. E pode ter orgulho da ancestralidade, mas a gente está aqui na mesma canoa furada aí, não é? [risos] Jangada quebrada já, não é? Então, eu vi, assim, uma grande dificuldade, assim, em pessoas, assim, querer ajudar e tal. Eu acho que se não fosse o Nei seguir essa linha da História, não é… que você está cursando e tudo [dirigindo-se ao Nei]…ia ser muito difícil de conseguir. Então… Eu até pensei em ir na Federal, por mim mesmo, ainda bem que não precisou, que o Nei deu os caminhos, mas eu estava pensando, assim em como é que eu ia fazer para descobrir. E, assim… eu tentei chegar nesse sobrenome, ali, e esbarrei com toda a história do Vicente Moreira de Freitas que eu nem sabia que era meu ancestral, e descobri várias histórias interessantes, não é?
J.M. – Quando você ouviu falar do Vicente, a primeira vez, foi por meio dos documentos que você buscou?
A.B. – Foi. Eu busquei… Eu consegui achar a certidão de óbito da Vicentina, que estava lá falando que ela tinha se matado e tal. E daí lá dizia quem que era o pai dela. Daí eu fui e busquei esse nome no cartório, fui lá, não sabia data nenhuma, sabia Vicente Moreira de Freitas e fui folheando, folheando, até achar. Daí achei ele lá, acho que era o óbito, não é? Dele. Daí a história… Eu achei o óbito e daí achei sem querer esse da Catedral, ali. Aquilo lá foi um documento que falou pra mim achar: “ei, estou aqui.” Porque aquelas letras, assim, nossa.
J.M. – André, e você chegava a perguntar para o teu pai, assim, essa curiosidade que você tinha desde bem jovem, você chegava a perguntar para ele?
A.B. – Perguntava.
J.M. – E ele…
A.B. – Eu queria saber… assim… se ele não tinha alguma história da época da escravidão, se o avô dele não tinha falado para ele alguma coisa dessa época e tal. Mas meu pai não… eu acho que ele não conviveu com o avô direito, com meu avô Adolfo. É, não, ele não… Acho que o Adolfo já tinha morrido quando meu pai nasceu. E a Vicentina, meu pai tinha, acho que um ano de idade, e ela se matou, não é? Talvez se ela não tivesse se matado e ficasse viva ali, morresse de velhice, ele teria esse link diretamente com ela, não é?
J.M. – Então quando você perguntava, ele, assim, não sabia? Era isso?
A.B. – Não, não sabia. Meu pai sabia mais as histórias do pai dele, assim, não é? Meu avô era general. Daí ele sabia algumas coisas, ele sabia que tinha um parente no Rio de Janeiro, um primo dele lá, e eu ficava perguntando: “pô, mas e tal.” Tanto que ele nem sabia que ele tinha duas tias avós, não é? Que era a Amphiloca e a Dulcelina. E ele nem sabia. Então…
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – E daí eu fiquei nessa… Mas para mim, assim, era muito difícil porque, eu não sou historiador, assim, eu não sabia, não é? Eu sabia o que o pessoal do cartório me falava pra eu procurar na Catedral e a moça da Catedral lá, eu queria coisas mais antigas, e ela falava: “nossa!”. Daí ela me mostrou lá, uma pilha lá de coisas, ela falou: “olha, tipo, tem que vir aí e ficar vindo aqui e tal.” Eu fui lá umas quatro ou cinco vezes na Catedral, assim, daí eu não fui mais porque…
P.F. – Mas lá você sentiu que ela tinha mais interesse em ajudar?
A.B. – Tinha. Ela foi bem gente boa. Era uma baixinha, assim, uma mocinha. Daí ela ajudou a gente a pesquisar, assim, mas eu acho que é por causa daquelas letras, assim, que é muito difícil, entendeu? Então, às vezes tem uns nomes ali que, nossa, pra você decifrar, ali…
J.M. – E quando você ia procurar, você ia pelo nome, não é? Você ia procurar a pessoa pelo nome?
A.B. – Ía pelo nome. É. Eu pegava, eu ficava tentando sempre achar o pai e a mãe da pessoa que eu achava, não é. E daí ficava nisso daí, jogava no Google também às vezes para pesquisar, e tentei pesquisar a origem do sobrenome Brito pela internet lá. Até vi algumas coisas, mas não… Não bateu. E meu pai, eu lembro que eu ficava forçando ele nessa história: “ah, mas da onde que veio o Brito, Brito, Brito…” Daí a irmã dele tinha me falado do pai do Adolfo que era o José Antônio de Brito. Ela tinha me falado que era o Antônio Brito, isso que ela me falou. Daí eu fiquei com esse nome, tentei pesquisar lá, não consegui. Daí tem o meu primo, Maurício, não é? Também tinha uns documentos, só que ele tinha um telefone lá que não… Tinha mudado o telefone e ninguém achava ele. A gente achava até que ele tinha morrido, porque eu não conseguia encontrar esse meu primo. Primo do meu pai, não é? Aí depois de um tempão a gente conseguiu achar, ele tinha mais uns documentos em casa. E eu lembro que o meu pai falava que o pai dele, o avô dele, não é?… tinha parentes no Rio Grande do Sul. Daí tinha aquela que vocês até entraram em contato com ela, não é? Daí ela morreu, não foi? Um troço assim.
J.M. – A Índia?
A.B. – Não, não era a Índia. Tinha uma outra lá, no Rio Grande do Sul.
N.F. – Sim, mas… Mas acho que ela não morreu, não. Eu acho que ela não morreu.
A.B. – Ah, não.Estou matando gente.
[risos]
N.F. – Eu não estou sabendo ainda. [riso] Eu não estou sabendo ainda.
A.B. – E daí eu… Mas enfim, eu lembro que meu pai falava que eles tinham uns parentes lá no Rio Grande do Sul, era uma coisa assim. E no final da nossa descoberta, ali, que o Nei me ajudou, eu descobri que o avô do Adolfo era do Rio Grande do Sul, os avós, não é? Eles eram do Rio Grande do Sul. A única menção que tinha disso daí. Então talvez meu pai, ali, saiba mais algumas coisas, assim, mas ele tá com a memória fraca.
N.F – Mas não seria do lado dos Freitas esses parentes do Rio Grande do Sul?
A.B. – Boa pergunta.
J.M. – Da Vicentina, não é?
N.F. – É. Porque nós temos parentes no Rio Grande do Sul.
A.B. – Não, eu sei… Mas aí que tá. Tem essa linha, não é? E tem a linha…
N.F. – A do Brito também?
A.B. – É. Eu ficava… Eu lembro, assim, que eu perguntava para ele: “ah, do meu… do Adolfo e não sei o que…” Daí ele falava: “ah, tem uns parentes lá no Rio Grande do Sul.” Um negócio assim. Talvez tivessem falado para ele, mas ele meio que se embolou e esqueceu.
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – E…Daí eu… É, mas assim, por relatos orais, assim, que eu me lembre, assim, que falavam mais do Adolfo, assim, só. E da Vicentina, os mais antigos.
J.M. – Porque da Vicentina nem a morte… A circunstância da morte dela você sabia, não é? Você soube quando você foi olhar os documentos?
A.B. – Não, eu sabia que meu pai tinha falado. Que ela tinha se matado com… Botando veneno na Cola-Cola e tomou, morreu de saudades do Adolfo.
N.F – Formicida.
A.B. – É, formicida. Ficou com tanta saudade do Adolfo lá, acho que o Adolfo morreu, depois de uns cinco anos ela se matou, um negócio assim.
J.M. – Então essa história, teu pai contava, não é?
A.B. – E falava que ela tinha um gênio bem forte, assim, isso que eu ouvi falar.
J.M. – E do Adolfo, ele dizia…
N.F. – Igual os Freitas [referindo-se ao gênio forte].
[risos]
J.M. –É… eu estou ficando com medo de você já [brincando com Nei]. [riso] Eu conheci Dona Índia, mas o Nei é?… não é? [riso]
J.M. – Ele falava… Do Adolfo ele falava do Adolfo ser professor?
A.B. – Do Adolfo, é. Ele falava que o Adolfo era muito… Um cara muito culto, muito inteligente. Tinha se esforçado, lá, para estudar, ele tinha virado professor em Cerro Azul. Tinha algumas coisas, assim, que falavam. Mas só que uma coisa, assim, que me chamava a atenção do Adolfo, eu ficava pensando: “pô, o Adolfo, por ele ser negro, na época que ele viveu, e ele ser um cara bem estudado, culto e não sei o que, ele não era um cara na média, assim, estava acima da média, não é? Para um negro na época.” E isso eu ficava encasquetado com isso, eu falava: “pô, mas de onde que veio isso, não é? Quem que eram os pais dele que criaram ele assim? Como é que era isso?” E daí a gente decifrou que era esse José Antonio Barbosa de Brito, era o Jeje, não é? Eu já tinha estudado esse nome, mas eu tinha descartado que eu achei ele muito velho para ser o pai do Adolfo, mas no final das contas era ele mesmo, o Jeje. E daí, mas essas partes, assim, a gente descobriu mais pelo jornal, ali, da época lá e tal. Mas de relatos, assim, verbais mesmo é o Adolfo e a Vicentina, mais antigo.
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
J.M. – André, e o que você sabe hoje sobre o Vicente?
A.B. – Ah, eu sei o que eu estudei a história dele, não é? Basicamente. Junto com o Nei. Que ele foi uma pessoa muito importante na época, ele fundou o Clube da Treze de Maio, não é? Ele fez… Lutou pela libertação dos escravos, assim, não é? Aqui em Curitiba, digamos, fez a frente, ali, para os negros terem um espaço, não é? Para poderem interagir, não é? E se unir, principalmente. Também fizeram a… Ele tinha uma ligação forte com a maçonaria, não é? O dono dele era o João Moreira de Freitas, não é?
N.F. – José.
A.B. –Não…, José. Não, o primeiro era o João, daí descobriram que o primeiro dono era um português que veio para cá, daí comprou… A gente não sabe onde é que ele comprou ele, não é? Mas sabe que ele foi herdado, não é? Desse português para o filho do português e nessa leva toda veio a Matildes, que a gente descobriu que era mãe dele, não é? Ela estava, a Matildes e mais uns escravos juntos lá, e tinha o Vicente e o irmão dele que era o Celestino, isso. Então ele foi passado, foi separado da mãe e do irmão por causa dessa herança, da divisão lá, não é? A mãe dele foi para a sogra, não é? Não, para a viúva, junto com o irmão dele, e ele ficou com esse José Moreira de Freitas que o cara era um arquiteto, construtor e tal e eu acho que ele trabalhava junto com o cara e aprendeu essas habilidades ali, não é? De construção, tudo. Ajudou a construir a Catedral. Ah, teve inúmeros feitos aí que ele fez, não é? E que a gente não sabe ainda deve ter mais muita coisa. Ele tinha uma forte ligação com aquele outro clube lá, o… Agora me fugiu o nome.
N.F. – Operário.
A.B. – Operário, isso. E eu ainda não sei, mas ele devia ter uma forte ligação com esse Jeje, não é? Que a filha do Vicente casou com o filho do Jeje. Então é sinal que eles viviam juntos, os negros ali, eles tinham uma união forte, não é? Eu acho que, na minha ideia, assim, acho que até 1920, 1930 que tinha aquela… na Igreja do Rosário que eles tinham uma cultura forte ali que foi apagada, não é? Eles pararam de fazer uma dança lá que tinha lá, não é? Foram obrigados a parar, então eu acredito que até essa época a Curitiba negra ali andava meio que junto, assim. Era só aquele grupo ali mesmo. Depois que foi se espalhando e tal, mas… E eu fico, assim, pensando, não é? Como é que era nessa época e tal, porque Curitiba era um ovo. Você vai estudando para trás, assim… Eu fui muitas vezes no cartório, daí de tanto que eu ficava vendo os nomes, ali, você meio que já conhece a pessoa: “ah, esse cara aqui, esse…”
J.M. – Vai ficando tudo conhecido, não é?
A.B. – É. E, assim, a gente vê, assim, folheando a época, começou a chegar os poloneses, até uma folha, assim, não tinha, depois na outra, assim, nossa, começou. Alemão…
V.S.: Conte para ela da folha lá que você achou na Catedral.
A.B. – Então, na folha da Catedral, o bisavô dela estava na mesma página que a gente achou o casamento do Vicente.
V.S. – [riso]Vê se pode.
J.M. – Olha só!
A.B. – Ele chegando no Brasil, da Itália, não é? 1883, eu acho que era.
V.S. – Ai, nem sei. Você tirou [copiou] até para o meu pai, não é?
A.B. – E daí… Mas assim, dos feitos do Vicente tem bastante coisa, não é? Relatada, assim, que a gente vê nos jornais antigos, e acho que ainda vamos descobrir. Então…
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – E é um orgulho, assim, saber dessa história que era uma história que estava enterrada já. Se não fosse… acho que… a gente cutucar lá e revirar isso daí, ia ficar lá do jeito que está. E é uma história, assim, que pediu para ser contada, não é? Porque foi meio algumas coisas acidentais que aconteceu, no fato desse… De eu achar ali o matrimônio do Vicente naquela época, aquele documento conseguiu achar mais outras pessoas, e assim como os outros documentos também levam às outras pessoas, mas é uma história que é difícil de ser contada. Se você procurar outras famílias negras que tem afrodescendência em Curitiba, ela não vai saber, ela vai parar em um nome lá… O Vicente, a gente sabe da história dele porque ele foi uma pessoa notável na época, mas e os que não foram? O cara, às vezes, não tem uma citação no jornal, sabe que o cara viveu naquela época, mas não aparece nada, não é? Então…
J.M. – E você chegava a falar para o teu pai dessas descobertas suas? Conversava?
A.B. – Falava.
J.M. – E ele? Como que ele reagia, assim?
A.B. – Ah, ele tinha interesse, assim, mas da parte dele, assim, meio que ele tinha um pouco de preguiça de ir nos lugares e tal. Daí eu pegava e ia sozinho. Daí fui… Ia no cemitério, lá, no túmulo lá do meu avô e pedia para a pessoa do cemitério lá, para ver quem que estava enterrado lá, o que que estava lá, mas da parte do meu pai eu parei naqueles nomes, ali, que eu falei e não fui mais para trás. Daí minha tia, que é irmã dele, também sabia menos coisas ainda, não é? Daí tinha um tio meu que era mais velho, só que ele já morreu, então… Ele era um cara que devia saber mais coisas.
N.F – Quem que era?
A.B. – Era o Osvaldo.
N.F – O pai do Maurício?
A.B. – É. Não, não, o pai do Maurício, não. O pai do Maurício é o Moacir Brito.
N.F. – Ah tá. Irmão do teu pai?
A.B. – Não, o Moacir Brito é tio do meu pai.
N.F – Ah tá.
A.B. – E esse Osvaldo é um cara… Ele era sete anos mais velho que o meu pai, mas ele bebia muito lá e morreu já, faz tempo já. Mas ele era um cara que devia saber. E até o Maurício, que é primo do meu pai, eu fiquei perguntando bastante para ele, assim. Ele falou que o pai dele contava poucas coisas, assim, eu acho que era meio dos antigos, assim, eles eram… Eles deviam saber as histórias, acho que até da escravidão, mas não… Meio que ficou meio zelado, ali. Não quiseram meio que passar pra frente. Eu acho que… A impressão que eu tenho é essa, assim, que quiseram meio que esquecer algumas coisas, não é?
J.M. – Então, isso é uma coisa que eu tenho curiosidade de saber, André, porque parece que vai na história da família uma coisa meio de silenciar mesmo, não é? Essa origem. Depois chega um determinado momento que as pessoas começam a manifestar a vontade de conhecer. E você também…
A.B. – Você acha que, sei lá, meu avô, ele devia saber alguma história da escravidão que alguém arrancou as costas do outro, lá, alguma coisa. Mas por ser uma história de sofrimento, um troço, assim, às vezes não passa para a frente, não é? Tem… dependendo da pessoa… mas, às vezes, por um mecanismo, assim, de preservação, eu acho que, da criança. Então, eu acho que tem que falar, não é? Mas eu, sei lá, na cabeça da época ainda, assim, eu acho que… Sei lá, meio…
J.M. – Quando você falou do Vicente para o teu pai, ele conhecia já?
A.B. – Ele sabia, ele falava que tinha mais Vicente lá. O pai dele era Vicente, a avó era Vicentina. E ele sabia que tinha mais Vicente e tal, mas ele não sabia explicar, assim. Talvez quando ele fosse jovem até ele sabia, mas ele só conversava sobre isso, acho que com os pais dele, e os pais dele morreram, então ficou uma coisa ali que ele esqueceu, acho que passa muito tempo e a pessoa não… E… Mas ele sabia que tinha mais Vicente.
J.M. – Porque são…
A.B. – E ele conheceu, não é? Teu pai? [dirigindo-se a Nei]
N.F. – O meu pai que era Vicente também. Ele conheceu.
A.B. – Ele conheceu… Ele não conheceu teu avô também?
N.F. – O Mário? Deve ter conhecido.
A.B. – É, ele falou para mim. Ele: “ah, conheci o Mário, que foi porteiro lá da Sociedade Treze de Maio.” Não era isso?
N.F. – Eu não sei se é o Mário filho ou o Mário pai. Não sei qual dos dois.
A.B. – É, eu sei que um deles que… É, por isso que meu pai tinha que estar aqui nessas horas que daí ele podia, pelo menos isso, que daí ele falava. [riso] Mas meu pai agora, ultimamente, ele está meio com uns problemas aí, então, dependendo do dia, ele está bem, dependendo do dia, ele não está legal, então… Se a gente marca e ele não está bem no dia, daí não vai render nada.
V.S. – Ele fica todo atrapalhadinho.
A.B. – É, fica todo atrapalhado.
J.M. – Que idade que ele está?
A.B. – Está com setenta e dois, setenta e três, eu acho. É, e daí ele está meio com uns tremores, a gente achou que era Parkinson, fizeram uma bateria de exames, daí não é, daí não se sabe direito o que que é e tal. E estamos fazendo um monte de… Indo em neurologista, tudo. Daí ele tomou um monte de remédios, lá, e agora ele está dando uma melhorada. Mas eu vejo que ele fica todo atrapalhado, assim. Ainda mais se você vai perguntar coisas da antiga, assim. Coisa recente, ele já se embola inteiro, então, não está… Mas eu tento sempre anotar, assim, as coisas, nem que seja de um relato, ali, eu sempre fico: “pô, mas e esse nome aqui e tal?” É capaz de chegar lá, mostrar foto, nomes e tal, às vezes ele lembrar de alguma coisa que ele não me falou. Está dentro da cabeça dele, não é? Então… Eu sei mais do que eu ouvi falar e do que eu estudei.
J.M. – Ele gosta ou não de conversar sobre isso?
A.B. – Ele gosta, gosta. Só que, como eu te falei, eu vejo, assim, que ele não tem paciência, assim, mais para… E, daí às vezes eu pego uma foto do pai dele, aquela foto da Nair com o pai dele, ali, daí ele: “oooh…” Daí eu vou resgatando, assim, devagarzinho. Vejo que ele está meio de bobeira, ali, daí eu: “olha, e tal”. Mas tem que ser tranquilo, se eu chegar, assim, vomitando tudo, daí ele se embola inteiro. Então, mas eu lembro que ele falava desse tio Mário aí… dele, que era um cara… ele falava que era negro e tinha um cabelo bem liso. E ele tinha sido porteiro do clube Treze de Maio, da Sociedade, e tomava bastante cachaça [riso]. Que era normal, acho, que naquela época lá, o que eu ouvi falar que a galera tomava… Então, eu ouvi falar que a maioria dos antepassados, ali, gostavam de uma… De tomar uma cachaça. [riso]
P.F. – Você conhecia a Treze de Maio já? A Sociedade?
A.B. – Eu conhecia, já fui lá e lá que eu conheci minha esposa.
N.F. – Na Treze de Maio tem aquela placa de mármore, que tem Vicente Moreira de Freitas. Você nunca tomou alguma ligação com aquilo?
A.B. – Não, porque eu não… Quando eu ia lá, eu nem sabia que o Vicente Moreira de Freitas era meu tataravô. Então era uma coisa, assim, que eu nem vi a placa, talvez passei pela placa, olhei lá, mas nem sabia. Porque é uma história, não é? Difícil de ser contada. E daí querendo ou não, o Nei, pelo menos, matou a curiosidade dele de saber a origem do sobrenome Moreira de Freitas, não é? Ele chegou até onde é. A minha do sobrenome Brito, ainda não consegui. Conseguimos achar, lá, o avô do Adolfo, não é? Os avós do Adolfo, mas a origem do sobrenome, ali, Brito, ainda não sei da onde veio.
J.M. – Onde você chegou mais?
P.F. – Nos pais do José.
A.B. – Do Jeje.
P.F.: Isso, que vieram do Rio Grande do Sul mesmo. E a esposa dele, não é?
A.B. – É a… Do Evangelho… Esmênia, não…
N.F. – Graciliana.
P.F. – Isso, Graciana. Não, essa é a mãe do Jeje.
A.B. – Os pais do Jeje é o Antônio Barboza de Brito e a Esmênia, não sei o que lá do Evangelho.
J.M. – Então para chegar, para avançar o contrário, não é? Para retroceder, teria que ir para o Rio Grande do Sul? Que localidade que é? Você tem ideia?
P.F. – Isso. Não fala. Só fala Rio Grande do Sul.
A.B. – Só diz isso, não é? Naturais Rio Grande do Sul. Daí a gente pesquisou naqueles jornais antigos, lá… Nada. É um beco sem saída esses nomes.
P.F. – É, a gente achou a mãe do Adolfo, não sei se você encontrou a mãe do Adolfo?
A.B. – A mãe do Adolfo é a Vicentina. A Vicentina, não. A Graciana.
P.F. – Graciana…
A.B. – Graciana Adelina do Nascimento.
P.F. – É, foi até aí também, mas…
A.B. – Não, daí vocês acharam a mãe dela, não é? Que é a Isabel Munhoz, lá.
P.F. – Ah, é. Isso.
N.F. – Africana.
J.M. – Que é africana?
N.F. – Que é africana.
P.F. – Que é africana, isso.
A.B. – Que é africana. Agora da origem desse sobrenome de Brito, daí eu estudei a família de Brito lá no Rio Grande do Sul, mas fica uma coisa, assim, que…
P.F. – É, muito grande também, não é?
A.B. – É, meio fica, assim, meio sem um norte, ali, parece, meio… Daí tentei achar Barbosa de Brito, lá também, não… A minha ideia, assim, é que devia ter alguma família Barbosa de Brito no Rio Grande do Sul, fazendeiro, alguma coisa, que tinha os escravos, mas…
N.F – Mas não, não é? Tem no Nordeste.
A.B. – É, tem em Pernambuco, lá, um monte. Agora, no Rio Grande do Sul, não. E uma coisa que eu acho estranha, assim, do Jeje, eu estudei, lá, a origem do nome Jeje, porque que ele quer se chamar Jeje. Tem dois motivos, não é? Um é a nação Jeje do Candomblé, e tem lá um porquê, lá, mas ela é uma coisa mais recente, a nação Jeje é mais do Brasil, não é? Dos escravos daqui, que eles falam que vieram da cultura, lá, africana e tal. E tem um outro porém, lá, do Jeje que falava que eles são o reino de Daomé, ou Jejes, não é? E eles eram considerados uma tribo que caçava os outros africanos para revender para os portugueses. Só que no final das contas eles também acabaram sendo escravizados. Até eu li, lá, da região de onde era. Era perto do Congo Belga, lá. E uma coisa que eu fiquei, assim, encasquetado com esse Jeje porque em nenhum momento fala que ele foi escravo. Tem bastante relatos da vida dele e tal, não é? Feitos que ele fez, ele era um cara tipo o Vicente, assim, da época, não é? Notável, assim, na época, ele era alferes e foi músico, foi bastante coisa, assim. E não tem nenhum relato dele sendo escravo. E os pais dele, se fossem escravos, não teriam sobrenome, não é? Esse nome Esmênia de Evangelho, ou Antônio Barbosa de Brito. Seria só escravo Antônio e tal. Então eu fiquei meio, assim, não é? Não sei se talvez tenha uma ligação, talvez o cara revendesse escravos, ou estivesse ligado a essa atividade, ou talvez não tenha nada a ver, não é? Mas é por causa desse nome específico que eu acho isso. Então essa, Jeje, aí, nação Jeje, uma coisa. Eu, na hora que eu li sobre isso, me fez passar isso, não é? Eu falei: “pô, mas…” E às vezes tem alguma coisa a ver, não é? Não sei.
P.F. – É, interessante é que ele escolheu, não é? Esse Jeje.
A.B. – É, ele está lá no dia tal, ele se assina como Jeje. Então ele devia ter orgulho desse nome, por isso que ele quis, não é? Então, ou é origem da tribo dele, ou é pelos Orixás, lá, por essa linha, mas eu acho que era mais pela origem africana dele. Eu pensei, assim, que talvez o pai dele fosse direto africano, mas, esse tal de Antônio Barbosa de Brito é um nome, assim, um beco sem saída.
J.M. – Mas ele pode ter sido, não é? Africano. Porque, você vê, o Vicente não era Africano, mas foi escravo, não é? O Vicente mais antigo. E ele toma o sobrenome depois, não é? Então pode ser que o pai do Adolfo… não, do Jeje…. o pai do Jeje tenha sido escravo, mesmo depois aparecendo com sobrenome. Ficou livre, adotou um sobrenome e, inclusive, pode ser africano. Mas eu acho que você tem razão, André, eu acho que quando ele resolveu se chamar Jeje, ele estava pensando em dar um destaque, em dar uma importância para a origem africana, mesmo que não fosse africano, não é? Mas tem uma origem.
A.B. – Eu acho que é da tribo do pai dele, alguma coisa. Ou da mãe, sei lá. “olha, eu sou Jeje.” Por que é Jeje? Então, eu acho que é isso aí.
P.F. – Eu acho que a gente pode tentar descobrir o atestado de óbito do Jeje. Do Jeje, não, do pai dele, não é?
A.B. – Do Jeje, o óbito tem no jornal, não é? Tem que ver se no cartório Leão, tem lá.
P.F. – É que do pai dele vai achar no registro de batismo, de igreja, não é? Porque não tem registro civil nessa época.
J.M. – Do pai do Jeje, não é?
[conversa paralela entre Pamela Fabris e Nei Freitas, ao mesmo tempo em que Joseli Mendonça conversa com André Brito]
N.F. – É, que seria no Rio Grande do Sul, não é?
P.F. – Não, porque ele estava morando aqui, eu acho.
N.F. – Sim, mas o batismo…
P.F. – Não, o óbito que eu queria ver.
N.F. – Ah, o óbito.
P.F. – É, porque o óbito vai indicar se ele foi, provavelmente, vai indicar se ele fosse a…
N.F. – Ele morreu aqui, então, o Antonio Barbosa Brito?
P.F. – Eu acho que sim.
[conversa entre Joseli Mendonça e André Brito, ao mesmo tempo em que Nei Freitas conversa com Pamela Fabris]
J.M. – Como que é o nome? O nome do Jeje é?
A.B. – É José Antônio Barboza, com “z”, de Brito.
J.M. – Quer dizer, foi o mais antigo Brito que você achou, não é?
AB: Não, eu achei o pai dele, que é o Antônio Barbosa de Brito.
[fim das duas conversas acontecendo ao mesmo tempo]
J.M. – Ah, você achou o pai. Certo, e esse que podia ser…
A.B. – Que é do Rio Grande do Sul, mas só diz isso. E eu fiquei sabendo que no Rio Grande do Sul teve aquelas revoltas dos gaúchos e tal, e os gaúchos, uma coisa que eu não sabia, que eles foram os primeiros a proclamar o fim da escravidão, no sul do Rio Grande do Sul. Então teve muito negro, muito escravo que fugiu para aquela região em 1854, um troço assim. Então… Mas eu acho estranho ele ir na contramão, não é? Saiu do Rio Grande do Sul para vir para cá. Então é difícil de imaginar alguma coisa.
J.M. – É, teria que fuçar no Rio Grande do Sul, não é? O que não é fácil porque é o Rio Grande do Sul inteirinho, não é? Não sabe onde, não é?
P.F. – Pois é, a região, não é?
A.B. – É, se aparecesse algum relato dele no jornal, ali, daí já era um…
N.F. – Um Brito, um Barbosa de Brito, mas não se tem nada.
A.B. – Nada, não acha nada.
P.F. – Nem pela mulher, também não? Pela mãe do…
A.B. – Nada. É a Esmênia não sei o que lá do Evangelho, agora eu esqueci o nome do meio dela. Esmênia…
N.F. – Acho que você tem aí, não é?
P.F. – Uhum.
[pausa]
A.B. – É, e quanto mais uma geração para trás, mais difícil fica, não é? De pegar.
J.M. – Aí fica mais difícil, não é?
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – É, daí esses nomes aí, vamos ter que estudar com o tempo, aí, não é?
J.M. – É, tem um pessoal que estuda o Rio Grande do Sul, não e? Mexe muito com nome, a Martha [Hameister] mexe, não é? Professora lá, talvez passar o nome para ela, não é? E perguntar se…
A.B. É, porque essas pessoas, a gente não consegue nem achar óbito, nada. O Jeje dá pra achar o óbito no Leão porque eu sei que vai estar ali, por causa que do ano que ele morreu, acho que foi 1892, não é? Agora, os outros para trás, ali…
N.F. – Você não achou do Jeje.
P.F. – O que?
N.F. – O óbito.
P.F. – O óbito, sim.
N.F. – Nós temos o óbito do Jeje.
A.B. – É, o óbito no jornal, mas eu falo a certidão, não é?
N.F. – A certidão temos também, não é?
P.F. – Uhum.
N.F. – Tem certidão. É na certidão que a gente descobriu que a Isabel era africana, não é?
P.F. – Uhum. A gente tem o casamento do Jeje com a Josefa. Ah, não. Não é a Josefa.
A.B. – É Josefa Andrade não sei o que. Eu tenho esse documento aí.
P.F. – Que aqui diz que eles são do Rio Grande do Sul e dá a impressão que eles estão vivos quando ele casa. Então… Por isso que eu acho que os pais podem ter morrido aqui também, não no Rio Grande do Sul. Porque às vezes aparece, não é? Pais já falecidos, e nesse registro de casamento não diz isso. Diz só que eles são naturais do Rio Grande do Sul, então talvez eles tenham vindo para a…
A.B. – É que esse casamento da Josefa com o Jeje é o primeiro casamento dele, não é?
N.F. – Mas tem coisa de São José dos Pinhais, não é?
P.F. – Ela era de São José, a Josefa.
A.B. – Eu tenho o óbito da Josefa.
J.M. – Hoje, você diria que você sabe mais da família do teu pai do que sabe da família da tua mãe?
A.B. – [pausa] Eu diria que está pau a pau. É porque da família da minha mãe, assim, minha tia e minha avó sabiam muita coisa, assim. Ah, sabia desde o português que veio para cá e não sei o que. E eu fiz questão de pegar, assim, minha avó, minha tia veio tomar um café, assim, estava minha vó, daí eu peguei elas e fiz ela anotar: “tia, anota aí.” Daí ela foi junto com a minha avó falando, falando… Então eu guardei essa folha, minha tia já morreu, já, mas eu tenho a folhinha, lá. Então depois eu vou montar a árvore, lá, tudo. Mas eu tenho todos os nomes lá.
J.M. – Anotado?
A.B. – Tudo. E por ser português, esse nome, eu consigo ir mais para trás ainda. Se for para Portugal, lá, conseguir pegar… O pai da [inaudível], meu sogro, ele também fez a árvore da família dele. Daí ele foi para a Europa, lá, que eles são de origem italiana e daí ele, por um acaso, ele conheceu um parente dele, lá na Itália, lá. E o cara tinha feito a linhagem lá. Então ele conseguiu pegar lá nome até 1500 e um troço assim. E até mais para trás. A origem mesmo do sobrenome deles. Mas é porque fez a pesquisa lá. Então, nesses nomes que você perguntou da família da minha mãe, da origem portuguesa, lá. Se for para Portugal, consegue pegar, agora nós aqui, a gente vai acabar na vinda para o Brasil, não é? Quem que foi o primeiro a ser escravo aqui. E a gente nunca vai saber o nome de origem dele, nada, não é? Muitos documentos que eu vi, vinham um “x”, um traço, não era nem um nome, não é? Era um número…
J.M. – O que que você acha disso, André?
A.B. – É, a escravidão, não é? Foi uma época errada, venderam pessoas como se fossem bens, não é? E simplesmente vomitaram os negros aqui, não é? Fizeram ser escravos, e muitos estados, assim, não dão valor que a escravidão teve no estado. Então no crescimento do Paraná, até na coisa da erva mate, tudo, teve todo o ciclo de escravidão, daí você pergunta para um paranaense hoje em dia, o cara não fala sobre isso: “não, ah, origem europeia e tal.” Tipo, meio que atropelam essa parte e já resume… Então, é o que eu mais vejo, assim, principalmente aqui no sul do país. A origem passada africana, o passado dos negros, assim, é meio que abafado até, não é?
J.M. – Quando você estudava, você já achava que era assim? Hoje, pensando na escola. Você falou que gostava de História, não é?
A.B. – Eu achava. É, eu tive um bom professor no Positivo Júnior, era o professor Jacó. E ele era um cara, assim, que ele tinha uma cabeça boa, ele não ficava só no livro, ele pegava e questionava também, não é? Ele falava: “eu sou descendente de polonês, mas você acha que os poloneses que ergueram o Paraná?” Tinha português, tinha índio, tinha muita gente, antes de vir esse passado europeu, bem dizer, que a gente tem aqui do Paraná é uma coisa de cento e cinquenta anos para cá, nem isso, não é? Pelo que eu vi no cartório, é 1890, assim, que começa a vir, assim, um monte. Até então, assim, você vendo nas folhas, assim, de óbito, assim, é bem pouquinho. Daí começam eles vir, assim, daí a população de Curitiba aumentando e tudo. Então é um dado interessante. E eu noto, assim, que as pessoas têm orgulho de ser europeu e fica nesse negócio, mas ninguém quer saber do legado dos escravos, dos negros aqui e tudo. Meio que até querem abafar, assim, mesmo, sabe? Meio que falar: “não, o Paraná não…”
J.M. -: André, mas quando você estava na escola e você estudava a história da escravidão, você achava que aquilo tinha alguma coisa a ver com a história da tua vida? Ou não…. assim?
A.B. – Com certeza. Com certeza. É só olhar a cor da minha pele, assim, eu já sabia que tinha a ver, não é? Também já sofri preconceito, racismo. No colégio, imagine eu no Positivo Júnior, tinha eu e meu irmão, assim, não é? Que somos mais morenos, assim, vamos dizer, e tinha mais uns quatro ou cinco que eram negros mesmo, assim. Os filhos do Dionísio que era o jogador de futebol, no “Coxa”, tinha mais uma outra, ali, e só. Então, a criançada era… Não perdoavam. Eu fiz bastante amizade e tudo, mas tinha muito preconceito, assim. E daí essa era uma história que eu sempre ficava querendo saber, não é? Com certeza tem a ver com a minha vida e é um reflexo da sociedade que vai até os dias de hoje e vai passar até. Porque essa questão do racismo no Brasil é difícil de isso daí ser consertado, assim. Principalmente, volto a repetir, aqui no sul, assim, eu acho a galera muito racista. Não que eu passe o estado de São Paulo, ali, tudo maravilha, mas aqui, assim, ainda principalmente as famílias mais antigas, assim, pô [pausa] Ah, eu já vi até na família da Vivian, assim, um dia eu fui com meu sogro e tal, daí ele estava me apresentando para um amigo dele, assim, um amigo do meu sogro, e o cara: “pô, mas esse cara vai casar com a tua filha? Mas ele é…” Daí ele ia falar alguma coisa, assim, daí meu sogro: “não, mas ele é mesmo, não tem problema e tal.” Eu só fiquei olhando, assim, eu falei: “pô…” E isso daí é uma… Pequenas coisas, não é? Mas se você for ver aí, pô. Então, no Brasil é difícil ser negro, no sul é pior ainda. [riso] Infelizmente é assim. Eu acho que, que nem, eu volto a repetir, as pessoas ficam só nessa história, aí, dos europeus do sul, nossa eu ouvi só falar, só, só ficam nessa história, assim, mas o legado negro ninguém faz questão nem de querer saber, são poucas pessoas, assim como vocês, que dão… Querem ouvir essa voz, esse negócio, assim, da cultura africana, não é? Eu acho que, principalmente os donos dos escravos, tudo, fizeram questão de apagar, de dilacerar essa história aí, não é? Então, a gente… Eu penso, a gente tinha que saber coisas, relatos da escravidão, de pai para filho e tal, mas não foi, não chegou, não foi passado. A minha avó, minha avó nasceu em 1908, não é? A mãe da minha mãe, e eu falava para ela, eu falava: “pô, como é que era a escravidão?”, não é? Que eu estava estudando, assim. Daí ela falava: “ah, minha mãe tinha escravos”, ela falava, “minha mãe tinha escravos, mas minha mãe era bem boazinha, mas a minha avó, diz que ela era braba, assim.” Daí uma história que ela conta que ela tinha uma escrava que estava fazendo, mexendo num tacho quente, lá, e estava fazendo a comida, daí a escrava pegou um pouquinho, assim, para experimentar e tal, fazendo um doce, um negócio e a avó da minha… Tataravó, lá, viu e falou: “ah, você quer então?” Abriu a mão e tacou o negócio quente, assim, e ainda fez ela comer, a escrava. Então, só porque ela quis experimentar o doce. Isso era uma das histórias, assim, que ela me falava.
N.F. – Isso aqui em Curitiba?
A.B. – Eu acho que era.
N.F. – Não sabe a origem deles?
A.B. – É daqui. A mãe da… Eu sei que, como é que era… A minha avó era Abreu, daí a avó dela era Bittencourt, que é origem francesa. Então, eu tenho toda essa árvore da parte da minha avó, eu tenho escrito, assim, mas daí é um outro capítulo porque senão eu vou ficar louco, não é? Mas é, tipo, de relatos da escravidão mesmo, que eu me lembre era minha avó que falava, assim. Falou que uma vez também foi um, não lembro como é que era, que aconteceu, que o cara foi parar no tronco, lá, foi para a chibata, lá. Mas era poucas coisas, assim, que ela me falava, assim. Talvez a mãe dela fosse… Mas daí eu não conheci. [riso] É, e eu ficava sempre querendo saber: “mas, pô, como é que era na escravidão e tal?” Mas ela não pegou a escravidão bem dizendo, não é? Mas…
J.M. – E como é que foi quando você encontrou o Nei? Os dois procurando…
A.B. – Ah, foi legal, não é? Foi emocionante, a gente descobriu…
J.M. – Procurando papel velho, não é?
[risos]
N.F. – Papel velho.
A.B. – É. Não, e descobrimos todo um lado da família que eu nem sabia que tinha, não é? E, ah, é emocionante você saber, não é? Da tua origem, ainda mais os feitos que o Vicente teve, não é? Na vida dele, que foi uma… Não só a construção e tal, mas o principal foi a luta pela escravidão, pelo fim, não é? Com certeza eles deviam estar batalhando para acabar isso daí e para os negros também terem direito, porque um ano depois da abolição fizeram aquela lei que quem não tiver trabalho, era punido, era um troço assim, só que eles não davam trabalho para os negros, então, era um pacal de bico, não é? E com certeza o Vicente, nessa época deve ter ajudado muitos negros, não é? A arrumar algum emprego, ter alguma direção, então… Ele foi o cara, nessa época, em Curitiba, eu acho que ele foi o maior nome, assim, não é? Que a gente sabe, assim, não é? Da luta contra a escravidão, não é?
J.M. – Você usou um termo, agora, que eu não conheço. É “pacal de bico”?
A.B. – Pacal de bico é na sinuca, é tipo um xeque mate, você não tem para onde sair.
J.M. – Ah, está sem saída, não é?
A.B. – Sem saída.
J.M. – E você sabe por que que fala pacal de bico?
A.B. – Porque pacal de bico é quando você está com a bola branca, daí tem uma bola na frente, e você está com… A tua saída, ela dá em um bico, daí é impossível, você perdeu a jogada. [riso]
[conversa direcionada à criança]
J.M. – Você tem alguma coisa para mostrar para ele? [dirigindo-se a Pâmela]
P.F. – Eu acho que ele já tem quase todas as…
N.F. – Quem que é o Manoel Barboza de Brito?
P.F. – É o filho do primeiro casamento, do…
A.B. – Manoel Barbosa de Brito?
P.F. – Uhum.
N.F. – E o Jeje é do primeiro ou do segundo?
P.F. – Não, o Manoel é filho do Jeje.
N.F. – Ah, é filho do Jeje?
P.F. – Isso, só que do primeiro casamento.
N.F. – Tá, e o Adolfo é do segundo casamento?
J.M. – Do segundo, é.
P.F. – Isso.
A.B – Era o meio irmão do Adolfo.
P.F. – Isso
N.F. – Era meio irmão do Adolfo.
A.B. – Que o Adolfo, eu sei que ele tinha quatro meio irmãos. Dois morreram e dois ficaram vivos. Que eram os filhos do Jeje com a Josefa Andrade, não sei o que.
J.M. – Agora, essa história de vocês é muito interessante. A história dos ancestrais é muito interessante, mas a história de vocês também é muito interessante.
A.B. – Mas é isso que eu falo…
J.M. – Porque, então foi assim: três, cada um no seu canto, não é? Cada um no seu quadrado, como se diz, porque vocês, buscando sem se… Não é? Sem saber, sem se conhecer.
A.B. – Sem se conhecer. Mas eu acho que eram os mortos falando lá: “conte essa história, conte essa história.” Porque…
J.M. – Os próprios ancestrais, não é? De alguma forma…
A.B. – É uma história que tinha que ser contada. Eu ficava tentando, assim, pô… Lembro uma vez eu fui lá no cemitério, assim, nem sabia o que estava fazendo lá, procurando túmulos lá e tal, mas não… E parecia, assim, pelo menos para mim, que era uma força, assim, que: “pô, descubra esse negócio, descubra esse negócio.” A maioria das pessoas não iam… Ia achar ali um beco sem saída e ia sair fora, falar: “ah, tchau.” A gente teve que ter perseverança mesmo para descobrir, porque foi difícil para achar isso.
N.F. – E o teu irmão? O que que ele acha dessas buscas?
A.B. – Ah, o meu irmão, ele mora lá no Havaí. Então, já faz…
N.F. – O que que ele acha dessas…
A.B. – Ah, ele acha interessante e tal. Mas eu acho que ele não procurou aqui, assim, porque primeiro ele não estava aqui, não é? Então…
N.F. – É outro momento também, não é?
A.B. – É. Mas ele gosta de saber, assim: “ah, pô, legal…”
N.F. – E o que que ele acha dessas tuas descobertas? Vocês conversam?
A.B. – Ah, eu não converso muito sobre isso com ele, porque meu irmão é um cara difícil de conversar, ele… Ele conversa comigo, ele está no Whatsapp, daí está dirigindo não sei para onde, daí ele te liga uns quinze minutos, daí já… Então é difícil, assim, eu ter uma conversa longa com ele, assim, mas…
J.M. – Vocês são os dois só?
A.B. – Só os dois.
J.M. – Ele é mais velho ou mais novo?
A.B. – Mais velho.
J.M. – Como que é o nome dele?
A.B. – É Rui.
J.M. – Rui. Engraçado que os nomes, eles se…
P.F. – Repetem
N.F. – Vão se repetindo.
A.B. – É.
[risos]
J.M. – Acho que André não tem nenhum, não é?
N.F. – Não, André não.
J.M. – Vocês foram originais, assim, na tua… [riso]
A.B. – Pelo que eu sei, ainda sou o primeiro da… [riso]
J.M. – Porque Rui tem, Vicente tem um monte, Nei também não tem.
N.F. – Nei também não tem.
A.B. – Não. Então ele gosta, assim, acha interessante, mas não me ajudou, assim, a buscar nada e tal, então… Mas eu acho que… Eu vou conversar com ele, assim, um pouco mais. Por ele ser mais velho talvez ele saiba alguma coisa a mais também que eu não sei. Então, eu acho que vale a pena, não é?
[choro de criança]
[risos dos participantes da entrevista, conversa paralela fora do contexto da entrevista]
N.F. – Vocês se conheceram na “Treze” então?
V.S. – É.
J.M. – Então…
N.F. – Em que ano que foi?
J.M. – Vocês iam… Era festa que tinha lá?
V.S. – É, tinha samba lá, daí eu fui com uma amiga minha e ele foi com o amigo dele e a gente se conheceu.
J.M. – Quando que foi?
N.F. – Que ano que foi?
V.S. e A.B – [respondem juntos] 2010.
A.B. – Acho que foi em maio, não é? De 2010.
V.S. – É, maio de 2010.
P.F. – Mas você já frequentava lá, já foi…
A.B. – Eu já tinha ido umas quatro ou cinco vezes, assim.
V.S. – Ah, eu ia às vezes também, bastantinho, assim.
A.B. – Mas é, e a gente se conheceu lá e bem lá, não é? Ainda no… Na Sociedade.
V.S. – E nem sabia, não é?
J.M. – Lá, em maio…
V.S. – É.
[risos]
A.B. – É, então é a história meio que…
V.S. – Dizem que coincidência não existe, olha…
J.M. – Só faltava ser treze de maio… [riso]
V.S. – E eu acho que era.
A.B. – Eu acho que era. Não sei se caiu em um sábado isso.
V.S. – Não, é que era no dia do aniversário da Aline, eu acho que é treze de maio, se eu não me engano.
N.F. – Então tinha festa lá, realmente. O Baile da Treze.
A.B. – Tinha.
V.S. – E era aniversário de uma amiga minha, daí a gente: “ah, vamos sair, vamos lá, lá é legal e não sei o que.” Daí ela, ah, ela não estava muito…
A.B. – Ela não queria ir, não é?
V.S. – Ela não queria ir, ela queria ir em outro lugar, eu falei: “vamos lá, lá é tranquilo, lá é bom e tal.” Daí a gente acabou indo lá, e eu acho que é treze, sim. Eu acho que era treze.
A.B. – É, eu acho que era essa época aí mesmo.
P.F. – E seu pai frequentava lá também?
A.B. – Não, meu pai, que eu saiba, assim, ele sabia que o Clube Treze de Maio… Mas eu não me lembro dele falando: “ah, eu ia lá e tal.”
N.F. – Eu acho que nem ele sabia da história do Vicente, não é?
A.B. – Não, meu pai só sabia até a Vicentina e o Adolfo. Daí eu sei que minha tia tinha um relato, lá, do Antônio Barboza de Brito, mas ela não sabia ao certo lá. Daí quem sabia essa parte era o Maurício, mas, não é? O primo do meu pai que a gente não conseguiu achar. Fiquei o que? Uns dois anos tentando achar o Maurício, eu achei que ele tinha morrido, falei: “pô, não acho, não acho.”
N.F. – Vocês tinham uma convivência antes, então?
A.B. – Não, com o Maurício não. Conheci ele naquela época ali.
N.F. – Ah, você está falando que você levou dois anos para conhecer…
J.M. – Porque tinha o telefone…
N.F. – Porque tinha o teu pai…
A.B. – É, eu tinha um telefone, é. Eu tinha um telefone dele lá, mas era um telefone que não dava. E daí tinha o telefone da irmã dele que também tinha trocado. Daí, é… Daí a gente falou: “bom, agora quem que vai saber, não é?” Daí…
N.F. – Você não sabia nem que tinha prima na Hungria?
A.B. – Não. Não, sabia, sabia.
N.F. – Essa história você sabia?
A.B. – Eu vi no Fantástico até essa história. Que o cara roubou a filha da…
N.F. – Eu também vi, mas eu não sabia quem era.
J.M. – Você sabia… Quando você viu no Fantástico você sabia…
A.B. – Minha mãe falou, ela falou: “ah, essa daí é prima do teu pai, aconteceu isso com ela e tal.” A Ercília, não é?
N.F. – Lucélia.
A.B. – É, Lucélia. Ercília é a irmã dela. E daí eu vi a história do Fantástico que o cara tinha roubado ela, não é? Foi para a Hungria lá…
V.S. – Nossa, tinha até esquecido dessa história, é verdade.
J.M. – E ela você chegou a conhecer?
A.B. – Não.
V.S. – Claro que sim.
N.F. – Claro que sim.
A.B. – Não, eu conheci ela no… Na Treze, mas antes não. Eu só conheci essa época.
V.S. – Até a menina até, inclusive, a tua… A Amanda e a menina, não é?
A.B. – É que esse lado da minha família, ali, meu avô tinha brigado com o irmão dele.
J.M. – Seu avô, o…
N.F. – O Vicente.
J.M. – Vicente.
A.B. – É, o Vicente[…]
N.F. – Brito.
A.B. – […] brigou com o Moacir, que era o pai do Maurício. Daí eles… Acho que nos anos oitenta, ali, e não se falaram nunca mais […]
N.F. – Romperam.
A.B. – […] e eu não tive contato.
J.M. – E por isso que…
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – É, mas… Então esse lado da minha família, assim, da parte do meu pai ainda… Eu sabia que tinha alguns parentes e tal, mas eu não tinha relação, não é? Até o… Eu tenho mais ligação com a irmã do meu pai, só que ela mora lá em Cuiabá, então…
J.M. – Essa irmã que está em Cuiabá é a?
A.B. – É a Alair.
J.M. – Irmã do pai.
P.F. – E como… Aquela que a gente entrevistou, como era o nome dela mesmo?
N.F. – Elenir.
P.F. – Elenir não tem nenhuma…
J.M. – Elenir não tem, não é…
P.F. – Qual é a relação então?
N.F. – Eles são primos. [pausa] Alair. O que que a Alair acha dessa história do Vicente? Ela não sabia nada também? Você que passa para ela então?
A.B. – É. Eu que desvendei esse lado aí, daí ela achou interessante e tal, e eu pergunto as coisas para ela, e ela sabe menos que meu pai, assim. Então…
N.F. – Sabe menos ainda.
A.B. – É. Ela é mais nova, não é? Então, não tem muita coisa, assim, que ela vá acrescentar, assim. Mas é interessante eles estarem aqui, assim, porque sempre tem uns detalhes: “ah, lembrei de não sei o que”, sempre sai alguma coisa, não é?
N.F. – Sim, sempre sai.
A.B. – Mas assim, da família…
N.F. – Ele não conhece a Elenir.
J.M. – Não conhece a Elenir?
N.F. – Não. Não conhece.
J.M. – Porque a Elenir ela é desse ramo aqui do Moacir, não é?
N.F. – Isso.
J.M. – Que a gente viu o Maurício. É que eu tenho aqui, para não me perder, eu faço uma… Eu faço um mapinha aqui.
V.S. – Mas também, não é? Ô confusão, não é? [inaudível]
J.M. – Então a Elenir…
N.F. – É filha… Ela vem do lado do Adolfo, não é? Que a avó dela era irmã do Adolfo.
J.M. – Ah, então nem é do Moacir.
N.F. – É, daí vem do Moacir, vem dali dos Brito.
A.B. Ela é irmã do Adolfo, então ela é da Amphiloca, não da…
N.F. – Ela é irmã da…
P.F. – Da Dulcelina
N.F. – Isso, ela vem do…
A.B. – Filha da Dulcelina
N.F. – Da Dulcelina.
A.B. – Isso.
P.F. – É a Martiniane é a avó dela, isso?
V.S. – Nossa, Amphiloca, Jesus Cristo, hein. Ô nome feio, nome antigo, não é?
P.F. – Martiniane, que é filha da Dulcelina que é a mãe da…
N.F. – Isso, da Elenir. Amphiloca, com “ph”.
V.S. – Que que eu estou falando, minha avó se chamava Pedrina, coitada.
J.M. – Não, mas Amphiloca é…
N.F. – Mas Amphiloca é pior, não é?
V.S. – É, Amphiloca é pior.
A.B. – Mas eu me lembro que o meu pai, ele falou que ele tinha uma, um parente dele, não era Amphiloca, mas era um nome parecido, daí eu perguntei para ele desse nome e tal, daí ele: “ah, não sei, não sei, não…”
J.M. – É porque o nome, assim… Dulcelina também é um nome diferente, não é?
A.B. – É, mas eu lembro que quando você falou esse nome aí, Amphiloca eu fiquei com ele assim…
N.F. – Tirando sarro, não é?
[riso]
A.B. – Não, mas eu…
N.F. – Você lembra da Amphiloca? [riso]
P.F. – Inesquecível.
A.B. – Era um nome, assim, que me chamou atenção, mas eu… Sei lá. É que coisa muito antiga, assim, para um… Por ser relato oral fica mais difícil ainda, não é?
P.F. – E fotos de família, seu pai tem?
A.B. – Tem. Tem bastante foto antiga.
V.S. – Mas não aqui [riso]
A.B. – É, tem umas fotos do Adolfo […]
N.F. Tem.
A.B. […] fumando charuto, ele era um cara todo de terninho, assim, não é?
V.S. – Esse era o professor?
A.B. – É.
V.S. – E tem uma foto que tem todos os professores da época, tua mãe tem. Da Universidade Federal do Paraná, assim. Bem legal, assim, sabe? Um negócio bem [inaudível]com uns vestidos, assim, ela já me mostrou. Pegue com a tua mãe.
A.B. – É, ele tem bastante fotos. Tem umas fotos lá que a gente olha, assim, e não sabe […]
N.F. – Não identificaram.
A.B. – […] quem que é. Eu falei: “quem que tá… que que é essas pessoas aqui”[…]
N.F. – É, mas a minha avó foi ele quem identificou. Nem eu para identificar ela.
A.B. – […] e ele: “ah, não sei.”
P.F. – Que legal.
A.B. – É, por isso que é importante ele, não é? Eu sei mais o que ele me falou e o que eu estudei, mas ele viveu mais coisas que eu, não é? Então, é uma outra geração. Então… Tinha que dar uma espremida ali no Seu Rui pra ver se sai. Só que eu vejo, assim, ele está… Ele está atrapalhado, assim.
J.M. – É porque não é bom, não é? Porque às vezes causa desconforto para ele, não é? Fica…
A.B. – Aquela vez que você foi [dirigindo-se ao Nei], ele já estava todo atrapalhado. Ele começou a misturar os parentes da minha mãe, eu falei: “não, não é esse daí, não é daqui e tal.” Daí no final das contas minha mãe estava sabendo mais que ele, não é? Dos parentes lá. Eu falei: “nossa.” Então… É, vamos ver, não é? Dar uma espremida na Dona Lígia lá também, acho que sai mais algumas coisas. [riso]
J.M. – A sua mãe está bem?
A.B. – Está bem. Minha mãe… Ih, minha mãe vai longe. É, meu pai, pô, meu pai jogou basquete a vida inteira, se cuidou, alimentação e tal. Daí, pô, foi dar justo nele, assim, que era todo atleta, não é? Esse troço aí.
N.F. – Nossa, deve dar uma depressão danada.
A.B. – É, ele jogava basquete até ano passado.
J.M. – É mesmo?
A.B. – É. Daí ele parou de jogar e daí tava achando que era na coluna, daí fizeram uns tratamentos, lá, uns troços, daí os caras queriam operar a coluna dele, e eu já tenho hérnia de disco, eu falei: “não, senhor.” Pode sair fora, esses médicos… Troquei de médico lá, fui em outro cara, daí eu consegui um japonês, lá, que faz shiatsu, um troço lá, daí soltou a musculatura das costas. Falei: “olha, agora eu acho que vai parar de tremer, não é?” Ele estava com tremor na perna, assim, na perna esquerda, daí todo mundo falando que era da coluna. Daí fizemos uma bateria de exames lá, daí apareceu um negócio no cerebelo, não era da coluna. Então ele ia operar a coluna à toa, não ia resolver, ia… Só ia piorar um monte o quadro. Daí fizemos uma bateria de exames e tal, levamos para quatro, cinco médicos, dos quais três falaram para esperar. Eu falei: “ah tá, esperar o que? Piorar o quadro?” Troca de médico, vai para outro. Daí eu achei uma doutora que é especialista no negócio que ele tem lá. E ele vai ter que fazer umas fisioterapias, uns troços meio puxados, assim. Então… E, tipo, um dos hobbies, o prazer que ele tinha era jogar basquete e ele não está mais jogando, então ele está abalado, assim.
N.F. – Claro que fica.
A.B. – Ah, fica lá na tv e tal, então está bem desanimadão, assim.
P.F. – Ele que morava na Saldanha [Rua Saldanha Marinho, em Curitiba]ou eu estou confundindo os nomes?
A.B. – Ele morou[…]
N.F. – Ele mora na Saldanha, não é?
A.B. – Ele mora na Saldanha, e ele morou, acho que em dois outros momentos da vida dele, na Saldanha Marinho. Quando ele era criança e uma época…
P.F. – Mas é mais para o centro lá, ou mais para a…
N.F. – Evangélico, não é?
A.B. – É perto do… Uma quadra do Hospital Evangélico. Daí eu quero ver se eu consigo agendar um dia de vocês irem lá, não é? Mas até… O Nei me cobrando: “pô, e daí, quando que a gente vai?”
N.F. – Não, tranquilo.
A.B. – Eu falei: “pô, até eu estou esperando.” [riso] Eu perguntei para eles: “olha, e daí quando que vamos?” “ah, um dia a gente vai”, beleza. Daí eu falei: “ô mãe, já faz acho que uns seis meses, não é? Que a gente está esperando a resposta.” “ah, não…” Mas então essa questão, ali, de marcar com o meu pai ia ficar… Enquanto ele não der uma melhorada nesse sentido aí, eu acho que… E eu noto, assim, que além do tremor, ele fica meio confuso também, sabe? Ele fica meio atrapalhado, assim. Então daí eu não quero muito forçar ele que[…]
N.F. – Claro, fica constrangido daí.
A.B. – Fica constrangido, daí fica estressado, daí dá mais tremedeira, então…
N.F. – Não, não tem que estressar.
A.B. – É, ele… Eu vi que ele ficando bem calmo, assim, daí parece que não treme. Então, isso está ligado com o sistema nervoso também, sei lá. Um pouco de velhice com todas as outras coisas aí. Mas vivendo no Brasil, impossível não se estressar, não é? Porque [riso] só essa política que a gente tem aí, tá louco.
J.M. – Qual que foi a profissão dele? Ele é aposentado?
A.B. – Dentista. Foi dentista e tinha consultório ali na Praça Osório, ali.
P.F. – E você morou lá também, na Saldanha?
A.B. – Morei. Morei trinta anos ali, acho. É.
P.F. – Mas já era perto do Evangélico, ali, ou mais…
A.B. – É ali.
P.F. – Mesma casa.
A.B. – Morei ali desde oitenta e cinco até 2012. E eles estão lá até hoje, lá.
N.F. – Interessante, não é? Teu bisavô morreu ali. Teu tetrataravô, não é? O Vicente morreu ali.
J.M. – Na Saldanha Marinho?
N.F. – Na Saldanha Marinho.
A.B. – É uma coincidência também porque acho que a Saldanha Marinho na época era uma das principais ruas ali de Curitiba antiga ainda, não é? Então… E a gente nota que as histórias dos antigos, assim, tudo voltado para o centro de Curitiba, mas aquele centro Largo da Ordem, ali, não é? Todo mundo meio que morava ali, a vida mesmo ali, era ali que acontecia, eu acho. O resto, há cem anos atrás, devia ser só mato, não é? Não devia ter quase nada. Eu fico perguntando para os mais velhos: “ah, como é que era Curitiba? Os bairros mais afastados.” “ah, só tinha Santa Felicidade, Portão tinha um troço lá.” Esses Umbará, esses outros bairros aí, nem existia, não tinha nada.
J.M. – Antes de morar na Saldanha Marinho, vocês moravam onde?
A.B. – Antes de morar na Saldanha Marinho eu morei na casa da minha avó, da mãe da minha mãe.
N.F. – Na Alameda Isabel?
A.B. – Não, ali na… Do lado do Sesc da Esquina. A minha avó tem um terreno lá até hoje lá, que acho que está resolvendo.
J.M. – Então seu pai morou na Saldanha, depois vocês moraram em outros lugares, depois ele voltou para a Saldanha?
A.B. – Meu pai, ele tinha um… O pai dele tinha uma casa ali na… Quase esquina da Saldanha Marinho com a rua do chorão, ali, a… Moreira… Aquela do chorão, ali, do expresso, ali… Não sei o que lá Moreira.
P.F. – Não vou lembrar o nome, mas…
J.M. – Eu sei qual é, mas não sei o nome.
P.F. – Bem perto ali do Sesc também, não é?
A.B. Ele morou ali… Agora ver onde que meu pai morou, assim… Eu sei que ele morava… Morava naquela região, minha mãe também morava ali naquela mesma área ali. Daí eles meio que se conheciam já da rua, ali, de vizinhança e tal…
J.M. – Porque a, como que é o nome dela? A Vicentina morava ali, não é? Na Saldanha?
P.F. – É, a família inteira, não é?
J.M. – Inteira, não é?
N.F. – Família inteira.
P.F. – A gente não sabe quando que eles foram para lá, não é? Mas que viveram uma boa parte da vida ali, não é? A gente não sabe também qual a quadra da Saldanha Marinho, se mais perto do Centro… Mais perto da Catedral, ali, ou um pouco mais para trás.
A.B. – Eu acho que é mais para perto da Catedral, ali. O Vicente Moreira de Freitas morava do lado da Catedral, não é?
N.F. – É, ali mais naquele…
A.B. – Era umas duas, três quadras, ali.
N.F – É número cento e oito.
A.B. – É, agora… Você [dirigindo-se a Nei] tentou achar esse número, nem existe esse número.
N.F. – Não, eu não fui procurar, que, não é? Deve ter mudado, nem… Mas eu acredito que…
P.F. – Mas o cento e oito está em qual registro?
N.F. – Eu não… Ah, na notícia do jornal. “Faleceu na casa número cento e oito da…”
P.F. – Então é vinte e poucos, não é? Vinte e seis?
N.F. – Vinte e seis.
P.F. – É, deve ter mudado mesmo.
J.M. – É, muda, mas dá para a gente saber onde é, só ir lá na Casa da Memória [arquivo da Fundação Cultural de Curitiba], pegar os… não é? … os registros antigos, ou na Câmara, mas algum dá pra saber.
P.F. – É, a gente… Quem que falou? Foi aquela… Que mora na casa… Que trabalha na Casa da Memória, mesmo? Esqueci o nome dele.
N.F. – O Barcelos?
P.F. – Isso. De pegar os registros de impostos, lá, que tem todas essas numerações. Tem o terreno, em nome de quem estava o terreno, acho que dá para saber daí.
N.F. – Do Beco do Ébano, não é? Que a gente foi lá… A Saldanha Marinho era conhecida como Beco do Ébano.
A.B. – É? Não sabia.
N.F. – Nem eu. Fiquei sabendo agora.
[risos]
J.M. – A gente não pode descobrir coisas, não é? [risos] Os ancestrais ainda estão por aí, ainda, assim, falando [risos]
A.B. – É, e na questão do Vicente, assim, eu queria saber da onde que ele veio, quem que comprou ele… Quem que comprou ele, a gente meio que sabe, ali…
N.F. – Do Vicente? Não, a gente já sabe, ele já nasceu escravo do José Moreira de Freitas.
A.B. – É, mas tipo, a gente só sabe que ele está ali com cinco anos de idade, um troço assim, não é? Mas ele nasceu, assim, não tem um relato dele, não é?
N.F. – É que a mãe dele já era escrava do… do João.
J.M. – Do João, não é? E a mãe dele veio da África, não é?
N.F. – Então, daí eu não sei, a Matildes.
A.B. – É, a Matildes eu…
J.M. – Não é a Matildes que aparece como africana então, é a outra…
P.F. – Isabel.
N.F. Isabel
A.B. – Isabel Munhoz.
N.F. – Isso, do outro lado.
J.M. – A Matildes ainda não dá para saber?
N.F. – É, mas a Matildes já era escrava do João José.
P.F. – A gente tem o nascimento…
N.F. – Tanto é que[…]
A.B. – Mas o João…
N.F. – […] o Celestino já era um bebêzinho naquela época, não é? Quanto tempo ele tinha? Quando ele foi… Fizeram a…[refere-se à época da partilha dos bens de João Moreira de Freitas, na qual Celestino – irmão de Vicente – e este passam a ser propriedade de senhores diferentes];
P.F. – Não, a gente tem o…
N.F. É, ele tinha dez anos quando eles fizeram o inventário.
A.B. – Mas o João José, eu tenho a chegada dele de Portugal…
N.F. – Não, é o José Moreira de Freitas que chegou. O João José é o antigo, que morreu.
A.B. – Então, o João José, então ele era o português que veio…
N.F. – Não, o português é o José Moreira de Freitas.
A.B. – Mas o João José não é o pai do José?
N.F. – Não, é sogro.
A.B. – Ah, sogro. Eu sempre acho que é o pai. A mãe dele é aquela Ana Maria do Espírito Santo, lá. É isso?
N.F. – Sogra.
A.B. – Sogra?
N.F. – O João José… O João Moreira… o João de Freitas… O João José de Freitas era o antigo dono, casado com a Ana do Espírito Santo. Aí o João morre, mas o José é casado com a filha do João, por isso que ele está no inventário. Por isso que daí o Vicente é dado para o José Moreira de Freitas.
A.B. – Mas por que que ele fica com o sobrenome Freitas, se não era para a mulher ficar?
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
A.B. – Mas a questão do sobrenome…
N.F. – Ele adota o nome do segundo dono dele que é o José Moreira de Freitas.
A.B. – Não, não estou falando do Vicente, eu estou falando do José Moreira de Freitas, por que que ele fica Moreira de Freitas? Se o sogro dele era Moreira de Freitas.
N.F. – Não, o sogro dele era de Freitas só.
A.B. – Ah…
P.F. – Sem o Moreira, não é?
N.F. – O sogro dele era o João José de Freitas, aí a Matildes adota o nome dele: Matildes de Freitas, e o Celestino de Freitas. Só o Vicente que é Moreira de Freitas.
J.M. – E o Moreira também vem da mesma família?
N.F. – Ele veio de Portugal e casou com a filha do João José de Freitas.
P.F. – Mas ela é brasileira, a filha…
N.F. – É, ela é brasileira. Ela é a Maria Inês, Maria Inês de Freitas.
A.B. – Tá, mas o José Moreira de Freitas… não é isso?
N.F. – É o português. Construtor.
A.B. Português. Por que que ele tem o mesmo sobrenome do sogro?
N.F. – Ah, Freitas…
A.B. – Era normal?
P.F. – É.
N.F. – Eu acho que era normal. A única diferença dele é que é Moreira de Freitas.
J.M. – É, é normal também primo casar, não é?
N.F. – É, normal, eu acho que eles eram… Eles tinham um vínculo de parentesco…
J.M. – Parentesco.
N.F. – Eles tinham, com certeza.
A.B. – É, por isso que eu fiquei encasquetado, eu achava que ele era… O João era o pai do José, mas era o sogro. Agora que… Mas vocês não acharam quem que era o pai do José Moreira de Freitas, não tem, não é?
N.F. – É um português, eu não sei da onde, daí.
P.F. – Mas ele veio para o Brasil adulto já?
N.F. – Ele veio já adulto.
P.F. – Ah tá.
N.F. – Ele já veio adulto.
A.B. – E é ele que compra a Matildes.
N.F. – Tanto é que ele herda, não é? O Vicente com treze anos, ele herda.
P.F. – Olha, dá uma olhada aí. [mostrando a imagem da certidão de nascimento de Vicente, no computador]
N.F. – O que que é isso aqui?
P.F. – Esse é o nascimento do Vicente. Aqui é o José, olha… João José de Freitas.
N.F. – Sim, olha, o que eu falei, ele já era escravo… Já nasceu escravo.
P.F. – “Filho de Matildes, escrava de João José de Freitas”
N.F. – O padrinho Joaquim Ferreira Saldanha, e tem o Freitas Saldanha, você já encontrou ele?
P.F. – Já. Já cruzei por aí.
[risos]
N.F. – Eu fico: “quem que é esse Freitas Saldanha?” Tem. Tem um Freitas Saldanha.
[lendo parte de um documento]
N.F. – “Carolina Rosa Lima.”
P.F. – “João José de Freitas.”
A.B. – E vocês, o que vocês acham dessa história? Muito interessante? [dirigindo-se a Joseli e Pâmela]
[conversa paralela entre N.F. e P.F.]
J.M. – Eu acho, eu acho muito interessante. Porque eu já vi… Eu estudo, pesquiso essas coisas da escravidão há muito tempo, mas o que eu acho mais interessante dessa história toda de vocês é essa busca, não é?
A.B. – A sincronia.
J.M. – A sincronia, aham.
A.B. – Rolou tipo uma telepatia, assim, a gente se conhecer. Mas é verdade.
N.F. – Então, aqui está a certidão de nascimento do Vicente [ascendente de Nei, seu bisavô]. Ele já era escravo, Matildes [mãe de Vicente] já era escrava do João José. Consegue ler? Arruma um pouquinho o…[refere-se ao foco da imagem no computador]
A.B. – Aqui, olha: “filho [refere-se a Vicente] de Matildes…” “João José de Freitas…” “Joaquim Ferreira Saldanha”? É isso?
N.F e P.F. – [respondem juntos] É o padrinho.
A.B. – Nossa.
N.F. – Então aquela história que veio contada na minha família, que o Vicente era africano e que chegou e foram separados irmãos, e as minhas primas sentiram muito… toda essa história, não é verdadeira.
[risos]
N.F. – Eu contei pra elas, elas ficaram chocadas: “mas eu passei uma vida inteira com essa dor e não é verdade?” Bom, os documentos estão dizendo que não é.
A.B. – Mas que bateu que ele foi separado do irmão e da irmã.
N.F. – É, bateu, bateu. Eles foram separados.
P.F. – É.
J.M. – Mas essa separação é bem diferente dessa[…]
N.F. – Trágica, não é? Dramática.
J.M. – […] porque essa separação aqui, provavelmente assim, André: um morava aqui, o outro morava aqui, entendeu? Era uma separação, mas…
N.F. – Sim, estava na família.
P.F. – Tanto que eles conviveram depois, não é? Os dois eram da Treze de Maio, então…
A.B. – É, e a Matildes pode ter sido comprada escrava aqui ou como pode ter sido importada da África lá.
N.F. – Até hoje eu não encontrei nenhuma referência, nós não encontramos nada dela.
P.F. – A gente tentou encontrar o registro de batismo dela, mas difícil.
A.B. – A Matildes é um…
J.M. – É onde acabou, não é?
A.B. – Ela aparece três, quatro vezes na história e…
N.F. – Isso. Matildes Freitas depois aparece no casamento do Celestino [outro filho de Matildes, irmão de Vicente], mas nem…
A.B. – Tinha que achar o óbito dela, não é? Eu sei… Ela deve ter morrido perto de 1870, eu acho. Porque o último dado dela, ali…
N.F. – Mas ele casou… O Celestino casou quando?
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P.F. – Ah, tem que ver ali, eu não lembro mais. Pegar isso.
N.F. – Eu acho que ele casou em oitenta e três. No mesmo ano que o Vicente.
J.M. – Vicente casou antes de se alforriar?
N.F. – Antes. Ele se alforria em oitenta e quatro.
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
N.F. – Oitenta e quatro.
J.M. – Então, você vê que diferente, na família do Nei se falava mais, não é? Dessas histórias…
N.F. – Se falava mais dessa história.
A.B. – É que da família do meu pai, quem que eu tinha acesso: a minha tia Alair, que mora em Cuiabá, que eu vejo uma vez a cada… Não sei quantos anos que ela passa o Natal aqui. Minha avó Nenê, que já morreu, em oitenta e cinco, eu nem… Eu tinha cinco anos, nem falava essas coisas.
J.M. – É… circunstâncias diferentes, não é?
A.B. – É, então eu não… Não tinha como, com quem debater isso aí, a não ser com o meu pai, e meu pai não falava muita coisa, então… Já o Nei já tinha toda essa história do Moreira de Freitas e tal, não é? Sobrenome. Então… Estava o link estava mais perto de você, mas não…
N.F. – Estava.
P.F. – …oitenta e um [refere-se ao ano do casamento de Celestino, que encontrou em notas no computador].
A.B. – É, que nem eu falo essa daí foi uma história que eles pediram para contar, não é? Não foi… A gente é só um instrumento de pesquisa aqui, mas eles que estão deixando as pistas, lá.
J.M. – Você sabe que eu, pessoalmente, vou falar baixo para não gravar isso, ninguém degrava, eu vou censurar, mas eu acho que todo o historiador faz isso. [riso] A gente pensa que está fazendo as coisas, viu?
A.B. – Quem disse que morto não fala, não é? Então… Eu acho que fala mesmo.
V.S. – Oitenta e um. [refere-se ao ano do casamento de Celestino, que encontrou em notas no computador]
N.F. – Ele casou em oitenta e um?
P.F. – Uhum.
N.F. – Ah, eu acho que ela estava viva ainda em oitenta e um. Por que você acha que ela morreu em setenta?
A.B. – Não, eu ia falar por volta dessa época…
N.F. – Porque ela tinha… Ela tinha vinte e cinco anos em sessenta, não é?
P.F. – Ela era bem nova.
N.F. – Ela era jovem. Ela tinha vinte e seis anos em sessenta. Digamos que ela morreu com cinquenta, mais vinte e cinco anos. Oitenta e cinco, não é?
J.M. – Oitenta e cinco.
A.B. – É, mas é que eu penso assim: se ela morreu depois de 1886, ela teria que estar no cartório Leão lá enterrada.
[seguem-se vários comentários sobre a possibilidade de se descobrir o ano da morte de Matildes, mãe de Vicente]
N.F. – Ah, entendi.
J.M. – Esse cartório Leão…
A.B. – É o primeiro cartório de Curitiba, que me disseram, não é?
J.M. – Então, porque… E o Giovannetti? [Primeiro Cartório de Notas, que anteriormente tinha essa denominação],
P.F. – O Giovannetti é onde?
J.M. – É de… É de notas, não é? É diferente.
P.F. – Mas onde ele fica?
N.F. – Os dois são bem antigos. O Giovannetti fica ali perto da Dezenove de Dezembro, não é?
J.M. – Então, mas esse tipo de registro…
P.F. – E o Leão?
N.F. – O Leão fica ali na… Sabe aqueles dois “predião” que tem ali quase perto do Largo da Ordem?
A.B. – Do viaduto, ali.
P.F. – Hum, tá, tá, sei.
N.F. – Tem ali embaixo do viaduto. Aquele ali é o Leão, mas ali é o espaço novo também.
J.M. – Mas o que que acharia no Leão?
A.B. – É óbito, casamento e nascimento, eu acho, se eu não me engano.
J.M. – Mas por que está lá nascimento? Não deveria estar na igreja?
P.F. – Não, mas tem. Tem o registro de… Tem o registro de nascimento também. Tem o de batismo e o de nascimento. De nascimento está no cartório. A certidão de nascimento.
J.M. – Mas da década de oitenta, de sessenta? Que é isso, gente? Eu nunca soube disso, Pamela.
P.F. – Tem, aham, começa em oitenta e seis o do registro em Curitiba.
N.F. – Ah, por isso que ele está falando de oitenta e seis então.
J.M. – Não, é… Ah, entendi, mas e antes? Antes não.
P.F. – Não, antes só de batismo, de… Só batismo.
J.M. – Ah tá, começa em oitenta e seis já?
P.F. – Começa em oitenta e seis.
J.M. – É porque é imigração, não é? Aí eles começam a registrar.
P.F. – Ah tá.
J.M. – É, porque não podia registrar na igreja os protestantes.
N.F. – Hum, protestantes.
J.M. – Aí cria o registro civil. A gente… Eu sempre tinha… Há muito tempo eu fiquei pensando que era com a República que criava o registro civil, mas não é. Acho que na década de oitenta já cria o registro civil, aí que começa a registrar lá, mas antes disso só na igreja, não é? Então, se ela morreu antes, não vai estar lá, não é?
N.F. Se ela morreu antes não vai estar lá. Mas em oitenta e seis, ela poderia ser escrava ainda, não é?
P.F. – Poderia.
J.M. – Ela poderia ainda.
A.B. – É, porque ali que começa os registros de óbito, não é?
N.F. – Porque a gente não achou nem a libertação dela, não é?
[seguem-se várias observações sobre possibilidades de saber sobre uma possível alforria de Matildes]
P.F. – Não. Dela não.
A.B. – Eu acho que ela morreu escrava.
N.F. – Então, ela pode ter morrido. E daí não tem esses dados, realmente.
J.M. – Não, mas o… Não, pode ser que ela tenha se libertado, pode ser que ela tenha alforriado, sim. Porque pode ter alforria no cartório de notas, lá no Giovannetti.
P.F. – É, isso que está… Que a gente pensou em dar uma olhada lá, que lá é…
N.F. – Vamos ver esse.
J.M. – Mas, gente, é muito livro.
A.B. – É muito difícil.
J.M. – Se você não sabe o ano, é muito… Eu acho que valia a pena ver se tem o registro do Vicente lá, da alforria[…]
N.F. – Que tem já uma data.
J.M. – […] Porque daí você pega a carta, os termos da carta, mas procurar…
P.F. – Mas está pelo menos na ordem cronológica?
J.M. – Está.
P.F. – Ah não, então…
J.M. Pamela, mas se você chegar lá e pedir: “eu quero de setenta a… sei lá” quando que você acha que pode ter sido? Oitenta, oitenta e oito? Vai ser, sei lá, essa mesa cheia de livros. É muito livro. Eu fiz isso, eu cheguei a falar: “ah, eu quero os livros de 1872.” Achei que era… entendeu? Que vinha assim, era um monte de… É porque eles registravam compra, venda, alforria, testamento, tudo no mesmo livro, entendeu? Não tem separado. Então, você pode ter dez livros para um ano. Ia acabando… Registrava tudo, assim.
N.F. – É, o do Vicente vai ficar mais fácil, pelo menos tem o mês, tem o ano e o…
J.M. – Não, o do Vicente você tem… Do Vicente é fácil. Pode ser que não tenha o registro lá, não é?
A.B. – Do nascimento do Vicente?
J.M. – Não, da alforria dele.
N.F. – No Giovannetti porque tem a data, mais ou menos, não é?
A.B. – É, mas tem o recorte lá do Vicente, daí dá para chegar com a data.
N.F. – Tem, tem, tem a data mais ou menos. Esse é mais fácil, agora da Matildes não.
J.M. – É muita coisa, procurar em livros.
P.F. – E com o… o documento de alforria, ele é bem completo, assim? Acho que eu não lembro de ter visto um documento de alforria.
J.M. – É uma carta, é…
P.F. – Mas tem dados mais…
A.B. – Olha, se der era legal, hein.
J.M. – Não, tem os termos, não é? E é bonito pelos termos, não é?Você lembra da Índia falando? Que ela fala que a carta… Por que eu acho que ela inverteu um pouco, não é? Ela fala que a… na carta de alforria tinha o Vicente falando que agradecia o senhor, não é? Geralmente é o contrário, o que tem em uma carta de alforria é o senhor agradecendo o escravo, então: “por ter me prestado bons serviços”, não é?
A.B. – Tipo funcionário do mês.
J.M. – Exatamente. “dou a liberdade, como se de ventre livre tivesse nascido”, tem lá os termos, não é? Às vezes tem condição para cumprir que está lá, às vezes tem um valor. Como ele foi alforriado pelo fundo de emancipação, que era um dinheiro que o governo aplicava para alforriar escravos, pode ser que nem tenha a tal da carta, mas como a Dona Índia falou que tinha…
A.B. – Ela falou que viu, então tem.
N.F. – Tinha. A família toda fala que tinha a carta que uma prima minha roubou.
A.B. – Ou chega lá e não…
[risos]
A.B. – Você falou que tinha essa carta, não é? Guardada lá.
N.F. – Não, ele tinha em uma… Em um tubo, eles dizem, em um tubo de aço, entendeu? Guardado. Até 1977 que foi o ano que minha avó morreu, por aí, eles tinham…
A.B. – Ela tinha isso guardado, depois, daí, não sabe para onde foi?
N.F. – Não sabe para onde foi.
A.B. – Capaz de ter jogado fora, sem saber.
N.F. – Sim.
A.B. – Putz.. É, mas eu acho que dá para achar uma segunda via lá no…
J.M. – No registro, não é?
A.B. – É, mas agora eu acredito que, do Vicente, assim, não é? Tem bastante datas, documentos, a gente consegue pegar dele, mas agora da Matildes vai ser…
J.M. – É, mais difícil. Não é fácil, não.
A.B. – Se tivesse, pelo menos, a data que ela morreu ali no jornal: “Matildes de Freitas enterrada sei lá onde”. E não tinha aquele outro cemitério que a…
N.F. – Dos Bexiguentos?
A.B. – É.
N.F. – É, pode ter pegado uma varíola também.
A.B. – Mas ninguém nem sabe, não é? Que é esse cemitério.
N.F. – Daí vão tudo para lá… É, era enterrado na vala, era pior ainda.
A.B. – Daí é pior ainda.
N.F. – Era uma vala.
J.M. – É, tem gente que se perde. Isso… Isso é o mais fácil de acontecer, não é? Não é todo mundo que consegue recuperar a quantidade de informações que vocês conseguiram, não é?
P.F. – Até porque aquele lá do… No Municipal, quem começou foi o Vicente, não é? A Matildes não…
N.F. – Não está a Matildes lá. Eu peguei… Nós pegamos a lista dos falecidos ali, não tem. O primeiro é o Vicente, não é?
P.F. – Porque é ele que constrói, não é?
N.F. – Sim. O primeiro enterrado ali é o Vicente.
A.B. – No Municipal?
P.F. – É.
N.F. – No Municipal. Que ano que ele construiu?
A.B. – Ele foi o primeiro negro enterrado lá, é isso?
P.F. – Doze, treze.
N.F. – Não sei. É, 1912 ele construiu aquilo ali, então ela já poderia estar morta, não é?
P.F. – Sim.
J.M. É bem provável.
N.F. – Provavelmente ela já estaria lá… Senão ela teria ido para lá.
A.B. – É, difícil ela estar viva. [pausa] É, a gente vai ficando meio em um pacal de bico de novo.
[risos]
J.M. Pacal de bico.
[risos]
A.B. – É, por que é difícil, não é? Você…
J.M. – Mas já andou muito, hein gente, olha, não é brincadeira, não.
A.B. – Se conseguisse pegar esse óbito da Matildes, daí era o Santo Graal praticamente aí, não é?
N.F. – É, mas…
J.M. – Olha, eu vou falar uma coisa para vocês: se encontrar o óbito da Matildes, descobrir que ela é africana e descobrir o primeiro dono dela, assim, não é fácil, mas é possível descobrir o navio e a região de onde ela veio, se ela for africana.
A.B. – Se ela for africana, agora, se ela foi comprada aqui…
J.M. – Não, aí não, aí tem que continuar, não é? Aí tem que pegar o nome dos pais dela e continuar. Quando chegar na África não…
A.B. – Ah, mas acho que os…
J.M. – Agora, ela deve ter nascido quando?
P.F. – A gente fez a conta.
J.M. – Você fez a conta, não é?
N.F. – Vinte e seis em sessenta…
A.B. Trinta e seis, não é? Trinta e quatro, não é isso?
N.F. – Por aí.
J.M. – É, se ela for africana, inclusive… Se ela for africana, ela entrou no Brasil de contrabando, inclusive. Entrou não, foi trazida de contrabando.
P.F. – A gente tem que ler o inventário de novo, não é?
N.F. – Então, nós vamos lá terça, não é?
P.F. – O inventário pode ter mais informações, não é?
N.F. – Sim.
J.M. – Dela, não é?
N.F. – Uhum.
P.F. – Uhum.
N.F. – Nós vamos na terça lá.
P.F. – Porque está fotografado aqui, mas olha, quando eu fui ler já não gostei muito, não.
J.M. – Não dá?
P.F. – Tem umas partes que são difíceis de ler.
J.M. – Aham. Está no Arquivo Público?
P.F. – Aham.
J.M. – Nei, eu estava pensando aqui, a gente podia fazer um encontro seu, o Maurício e o André.
N.F. – Uhum.
J.M. E gravar o que você… Hein, André, estou falando para o Nei aqui que a gente podia fazer um encontro seu, do Nei e do Maurício.
A.B. – Vamos.
J.M. – E gravar não só em áudio, mas em vídeo. O que você acha?
A.B. – Pode ser.
J.M. – Meio sem roteiro, assim, pra vocês conversarem sobre essas…
A.B. – Eu vou dar mais uma estudada também na…
J.M. Assim, aí eu acho que até interessa menos… O legal seria assim: vocês levarem alguma coisa que vocês têm, não é?
A.B. – Era legal trazer meu pai, não é?
J.M. – É, eu acho… Essa ideia que eu tenho, não é tanto para buscar informação, sabe? Mas é para registrar…
N.F. – Quem está buscando essa…
J.M. – Quem está buscando, entendeu? Porque são duas coisas, as duas me interessam, não é? Então tem uma coisa de buscar as informações e aí vocês tem um monte já, teu pai tem, não é? E você está… Está juntando a partir dele, não é?
A.B. – É, agora a gente está bem completo, não é?
J.M. – Mas uma outra coisa que me interessa bastante, assim. É esse processo de busca de vocês, entendeu? E aí era meio isso que eu pensei em registrar, sabe?
N.F. – Isso.
J.M. – Vocês conversarem mesmo, assim, conversarem, olha, não é? Como vocês estão fazendo aqui agora, não é?
A.B. – É, a gente fica mais meio que imaginando, não é? Como é que era as pessoas no passado.
J.M. – A gente podia fazer uma coisa, assim, de cada um leva… Porque você tem documentos também, não é? Que você foi nos cartórios e tal. Cada um leva dois documentos, duas fotos, meio para compartilhar…
A.B. – É o Maurício que tem umas fotos também, não é? Uns troços, assim, das antigas aí. Interessante.
J.M. – Você tem fotos também? Bom, você tem, tem com… Teu pai tem, não é?
N.F. – Lá na casa do teu pai, não é? Tem bastante.
A.B. – Tem.
J.M. – Eu fico imaginando as fotos do Adolfo aqui.
P.F. – Nossa.
N.F. – Tem umas fotos lindas do Adolfo.
A.B. – É, ele fumava um charuto, com aquele chapelão, assim.
N.F. – De corpo inteiro, inclusive.
A.B. – É, ele…
P.F. – O Maurício, acho que não tinha, não é? Do Adolfo.
N.F. – Não, o Maurício não tem.
P.F. – Daquela que a gente viu.
A.B. – É, interessante fazer. E eu acho que essa história aí daria um belo de um livro também, não é? [riso] Porque é uma história muito interessante, assim, e também, além de ser uma história que pediu para ser contada, é a história do Paraná também.
J.M. – Acho que o Nei vai escrever… Começar a escrever, não é, Nei?
N.F. – Vou começar a escrever.
J.M. – O Nei está devendo uma história dessa aí.
N.F. – Estou. Estou devendo.
[risos]
A.B. – É, pô, tem que fazer, porque se não for a gente contar essa história, a gente descobriu tudo, mas não… Só vai ficar para a gente, não é? Todo mundo tem que saber dessa história. Não só com a matéria, assim, mas isso daí tem que ser escrito e passado para a frente, não é? É que nem eu falo: quem que descobriu que o tataravô era escravo, filho de não sei quem. Se você pegar a maioria dos negros aqui de Curitiba, os caras ou não são daqui, ou os que são estão mais perdidos que nós aqui, não é? É um ou outro que vai saber alguma coisa.
J.M. – Podemos organizar isso para março?
N.F. – Podemos organizar, sim.
A.B. – Pode.
J.M. Conversa com o Maurício e…
A.B. – Pode ser até antes, se quiser. O Maurício quer ver bastante a história do Adolfo. Ele está obcecado pelo Adolfo. Que ele acha que ele… Eu não sei, mas, me parece que ele foi um dos primeiros professores negros da Federal, não é?
J.M. – Eu não sabia que ele foi professor da Federal.
P.F. – A gente tinha falado do… Ele tinha mostrado para a gente do Instituto, não é?
A.B. – É, eu acho que não era bem na faculdade, ali, mas era alguma coisa ligado à Federal…
N.F. – Eu sei que ele dava aulas noturnas no Operário.
A.B. – É?
J.M. – Ai, é. Eu acho que ele falou Instituto de Educação do Paraná, não é?
N.F. – Eu acho que era do Instituto de Educação.
A.B. – É, mas eu lembro que tem um quadro dele, assim…
N.F. – É do Instituto de Educação.
A.B. – É? Então é isso, devo estar confundindo.
N.F. – Eu mostrei para vocês, lembram? É do Instituto de Educação.
A.B. – Devo estar confundindo então.
P.F. – Que na época tinha uma importância, nossa.
J.M. – É, era…
P.F. – Era, eu acho que o colégio mais importante.
J.M. É, o mais importante. E por ali passaram muitos negros, não é? Professora negra, não é? No período anterior.
N.F. – A Enedina, não é? Também. A professora dela que foi a…
P.F. – Nicolas.
J.M. – Maria Nicolas. [pausa] Então tá, eu acho que antes de março não dá porque tem o começo de janeiro, agora, que a gente precisa mobilizar o pessoal lá da Universidade para filmar, porque eu acho legal a gente ter imagem, assim, sabe? De registro.
A.B. – É, senão a gente fica tipo um livro do Pedro Álvares Cabral lá. É bom ter uma cara, uma voz.
[risos]
J.M. – Mas a gente pode pensar de fazer essa coisa do livro também, eu acho que, assim, o Nei, eu acho que o trabalho de final de curso do Nei já vai ter uma parte, não é? Da história.
N.F. – Já, já vai ter. Porque agora nas férias eu vou… Vou pegar duro agora porque…
A.B. – Quando que acaba o teu?
A.B. – O TCC.
N.F. – Eu tenho que ver, tenho que ver.
A.B. – Não, sabe?
N.F. – Não, é para terminar no semestre que vem, mas o curso eu não sei ainda.
J.M. – Ele fala e olha para mim. Você acaba quando você quiser, tá bom?
[risos]
J.M. – Eu não tenho nada com isso, a pressa é sua [riso]
N.F. – Não, eu sei, eu estou em dívida, meu Deus do céu, mas agora nas férias eu vou pegar. Não quero mais… Eu só vou pesquisar semana que vem para daí já começar.
P.F. – É que fonte você já tem um monte.
N.F. – Já tenho, mas é que eu quero, assim, confirmar realmente, não é?
A.B. – É, eu te ajudo a escrever, o que eu puder fazer…
N.F. – Você viu essa foto? Eu te mostrei essa foto do…
A.B. – Já, já. Eu vi no Facebook. Que o Vicente devia estar aí, não é?
N.F. – Você conseguiu identificar o Vicente pelo que a gente viu nas fotos lá.
A.B. – Nessa foto, eu acho que eu consegui, sim.
N.F. – Onde que você conseguiu? Eu não te perguntei ainda, não é? Senão eu estou repetindo a mesma coisa.
A.B. – Eu acho que é esse aqui, não é? Não?
N.F. – É o que a gente também acha, então não estamos errados.
A.B. – É, pela fisionomia dele ali.
N.F. – E, assim, pelos homens da minha família são muito pequenos, assim, magrinhos, sabe?
P.F. – E essa aqui? Você achou que a Olímpia poderia ser essa?
N.F. – Poderia.
P.F. – Eu achei também, pelo cabelo, assim.
N.F. – Eu achei mais pelo cabelo e pelo vestido. Por aquela foto que ela está, parece que é o mesmo vestido.
J.M. – É a Olímpa que tem o cabelo lisão, não é?
P.F.- Isso, que tem o cabelo mais liso…
A.B. – Se esse povo aí falasse, aí, a gente já sabia quase tudo.
P.F. – Nossa Senhora.
[risos]
N.F. – Porque se, não é? Querem uma imagem lá, diz tudo.
A.B. – É, porque daí a gente fica imaginando, uma foto já ajuda a melhorar a imaginação, não é?
J.M. – Tem uma referência, assim, não é?
N.F. – Também, parece parente também. Parece parente.
P.F. – Parece parente.
N.F. – Podia ser o Vicente, ou o neto…
P.F. – O Vicente ou o Mário.
N.F. – Ou o Mário?
P.F. – É.
A.B. – E no estudo do Celestino […]
N.F. – Eu acho que não é o Mário, poderia ser o Vicente.
A.B. – […] só aparece o nome da Matildes de Freitas, só isso, não é? Não fala mais nada.
P.F. – Do Celestino… É, só aparece isso. Aparece o nome de um pai também. Gabriel.
A.B. – Gabriel Freitas, não é?
P.F. – É, só que a gente também não sabe quem… Quem é esse Gabriel. Se era mesmo, não é? Aparece ali, mas nunca mais a gente viu nada dele também.
[conversa paralela fora do contexto da entrevista]
P.F. – O que que você acha? Esse aqui, que está com um chapéuzinho? Ele tem um rosto fino, assim, também, não é?
N.F. – Eles parecem mais com o lado do Adolfo, não é? Você viu o Adolfo, não é? Uma vez só?
P.F. – Eu não lembro da foto do Adolfo.
N.F. – É, mas você viu uma vez só, também, não vai lembrar.
P.F. – É, mais difícil, mas o Vicente já dá para ver ele aqui.
A.B. – Esse Gabriel aí, então… Beco sem saída também.
P.F. – É, também não…
N.F. – Beco sem saída.
P.F. – Também não encontramos muita coisa.
A.B. – É que se eu, se eles tivessem uma irmã mais velha aí, dava para achar mais coisas daí.
N.F. – É, a tia… A tia Maria, ela sabia bastante coisa, não é? Ela que frequentava também a tua casa… A casa dos teus pais, lá, não é? Então ela sabia mais coisas.
P.F. – A Maria é quem?
N.F. – A Maria da Luz. É irmã do meu pai.
P.F. – Ah…
N.F. – Essa era a que mais buscava, assim, as coisas da família.
P.F. – Ela teve filhos?
N.F. – Teve. Inclusive um faleceu mês passado. [riso] Coisa de falecimento…
[risos]
A.B. – Poxa, é uma pena, não é? Que as pessoas que poderiam matar as charadas, não… Estão comunicando com a gente, acho que só por psicografia aí, porque…
N.F. – É, veja, o… A história da Matildes estava na nossa cara. Estava gritando ali: “Não é Madelon, é Matildes.” E daí vou lá no inventário e vejo: “ah, tem uma Matildes aqui no inventário.” É ela.
A.B. – É, e aquele nome Matelon não dava em nada, não é?
N.F. – Por causa do Madelon, daí eu fiquei… Mas daí eu vi… Daí eu fiquei comparando Madelon e Matildes, é Matildes, pronto. Daí foi tudo… Não é?
A.B. – É, mas essa Matildes, quem que era o marido dela, não é? Quem que fez o Vicente, não é? Quem que era? Era o Gabriel? Ou não era? Esse Gabriel também só aparece naquele momento e mais nada.
N.F. – Na Certidão de casamento do Celestino, só.
A.B. – Uhum, mas a única coisa que fala desse cara, mais nada.
J.M. – Aparece como pai do Celestino?
P.F. – Uhum.
A.B. – E ele não era escravo… Não tinha nenhum escravo Gabriel, não tinha nada Gabriel? Filho do português também não era?
J.M. Então, isso vocês não têm certeza, não é? Porque daí isso está no inventário. Pode no inventário agora aparecer algum escravo Gabriel, não é?
N.F. – Alguma coisa, pode. Tem uma lista ali, não tem Gabriel, mas…
J.M. – Não tem? Ah tá.
N.F. – Tem uma lista, mas não tem. Mas, assim, eu não peguei no… Eu peguei só no…
A.B. – É naquele do relato, não é? Da…
N.F. – Dos relatos, é. Que a… Que a estagiária lá fez lá no…
P.F. – No Arquivo Público, não é?
N.F. – Isso, no Arquivo Público, mas pegar o físico mesmo, a gente pode achar alguma coisa.
A.B. – Você acha que tem, além daquele resumo da internet, tem o físico que tem mais coisas?
N.F. – Então, isso que eu quero, não é? Que eu quero esclarecer. Eu vou lá terça-feira.
A.B. – Que tem a Gertrudes, lá.
N.F. – Tem a Gertrudes que é mãe do Jeremias, não é? Isso. Que pode até ser irmã da Matildes, pode.
P.F. – É, a gente está com essa desconfiança.
A.B. – Você acha que essa Gertrudes é irmã da Matildes?
N.F. – Pode.
A.B. – Mas por que vocês acham isso?
P.F. – Porque aparece uma… Um registro do jornal que diz que o Jeremias pode ser primo do Vicente.
N.F. – Aquele um que eu te passei.
A.B. – Ah, é. Mas eu acho que, meio… Primo é… “ah, vai virar primo”, aí é meio…
N.F. – Está meio confuso aquilo lá.
A.B. – É, aquilo lá é um nó, não é?
N.F. – Nossa.
A.B. – Eu acho que o cara escreveu errado aquilo lá.
N.F. – Eu acho que ele escreveu errado.
J.M. – No jornal?
P.F. – É.
N.F. – No jornal.
J.M. – Mas o que que aparece no jornal? Que pode ser primo.
P.F. – Deixa eu mostrar aqui qual que é…
A.B. – Nossa, é uma confusão.
N.F. – É que aparece todo o núcleo familiar, ali. O Vicente é tio da falecida, a falecida é Assunção, entendeu? Mas o Celestino é primo da falecida, da Assunção. Então como que o Vicente é tio e o Celestino que é irmão dele… é primo? Entendeu? Está meio confuso.
P.F. – Aqui.
N.F. – Achou?
P.F. – Uhum. Esse aqui, olha. Nesse canto aqui, Antônio da Silva.
A.B. – Mas eu acho que a gente, unindo as forças, vamos conseguir mais coisas ainda.
N.F. – Sim, a gente não tinha nem irmão, não é?
A.B. Tinha que estudar um pouco esse Jeremias aí, não é? Você tentou achar esse tal Jeremias aí?
N.F. – O Jeremias? O Jeremias eu já achei, mas ele não se deu muito bem na vida, não.
A.B. – Não?
N.F. – Não. Ele foi para a “Marginalia” mesmo.
A.B. – É?
N.F – Foi. Tem o Tiburcio que a gente não encontra nada, não é? Tem mais o… Tem o… Não tem? Como que é?
P.F. – Não sei, a minha cabeça tá dando um…
J.M. Gente, que coisa confusa… Mas aqui é como se o Vicente fosse filho desse Antônio da Silva Assunção?
P.F. – Não, é genro.
A.B. – Nossa, é uma confusão.
P.F. – Não, genro não. Cunhado… Não, espera… Deixa eu ver…
N.F. – Não, deixa ela interpretar, a professora interpretar primeiro. Porque senão… É ela pode esclarecer para a gente.
J.M. – Ah, porque aqui… Esposa do Antônio da Silva, mãe… seus filhos, não é? “Irmã: Benedito dos Santos Diniz, cunhada: Maria Joaquina dos Santos Diniz, tio: Jeremias de Freitas”. Não dá, gente. Não dá, não.
P.F. – O que que você acha?
J.M. – Não corresponde, o negócio… Tem que pegar de trás para a frente então.
P.F. – Uhum
J.M. – Celestina de Freitas. Porque o único… Prima, Maria Assunção. E prima, então era prima do Celestino, sobrinha do Vicente.
N.F. – É o que diz aí, não é?
J.M. – É isso, não é?
P.F. – Não tem como, eu acho que não, ela é prima dos dois. Se os dois são irmãos…
J.M. – Cunhada… É, pode ser porque está na… Fora de.. É.
N.F. – Muito estranho.
P.F. – Porque ela não pode ser prima do Celestino e sobrinha.
J.M. – É. Não, é… Ou então está errado o inventário. Está dizendo que o…
N.F. – Está errado ali. Porque não tem…
P.F. – Porque se os dois são irmãos…
J.M. – Eu acho que o mais fácil é estar errado aqui, não é?
N.F. – Está errado aí.
P.F. – Mas aí então quem seriam os… Os primos seriam… O Antônio. O Antônio seria primo do Vicente, nesse caso.
[risos]
P.F. – Ou ela.
[conversa paralela]
N.F. – Olha, se tinha… O Jeremias? Eu achei algumas coisas no jornal.
P.F. – No… Mas ele está no inventário. Tem no inventário um escravo chamado Jeremias que bate a idade. Por isso que pode ter… O Jeremias pode ter uma relação com o Vicente, e com o Celestino.
N.F. – Pode.
P.F. – Seria bem interessante também, não é?
J.M. – Quer dizer, se tem uma família ali já, não é? Depois…
P.F. – Mas essa Assunção aqui também não está… Está muito confuso, porque, se for para o lado dela tem um monte de coisas, porque ela é filha de um músico também, que conhecia o Jeje, inclusive. Se for pelo lado dele, aí já não sei. Dele eu não achei quase nada, mas o dela… Ela é filha do mestre Generoso.
N.F. – Dos Diniz, não é? Santos Diniz.
P.F. – É, que foi pedreiro. Ele, o Magnus [Pereira, em Semeando Iras Rumo ao Progresso] cita ele, o Hoshino [Thiago, em Entre o Espírito da Lei e o Espírito do Século] cita o mestre Generoso. E são todos filhos dele. Então tem uma… Tem uma relação aí porque são…
J.M. – Ele é filho do Generoso?
P.F. – Ela.
J.M. – Ela?
P.F. – Isso. Ela é…
J.M. – É, tem uma comunidade mesmo, não é gente? Tem uma comunidade que é, assim… É uma comunidade que estava ali, que tinha uma região espacial na cidade, que era tudo, não é?
P.F. – E pedreiros, não é? Porque o Generoso é pedreiro, o Vicente… O Jeje não, o Jeje é músico, mas eles têm esse lado da música também. Porque o Generoso também é músico, não é?
J.M. – É um músico, aí tem um ofício, não é? Mas depois… Na outra geração já é a coisa mais de intelectualizar, não é?
P.F. – Isso. É… professores.
J.M. – É, parece que tem um percurso, assim, entende? Geracional e… É muito bonito, viu?
A.B. – E daí, conseguiram entender o que que era aquilo ali?
J.M. – É difícil, mas acho que está errado aqui.
N.F. – Está errado o…
A.B. – Está errado, não é? Não bate.
N.F. – O tipógrafo deve ter errado a notícia.
J.M. – Ele ficou confuso. [riso]
N.F. – Sim.
A.B. – [riso] Com certeza.
J.M. – Então, vamos encerrar por hoje?
N.F. – Vamos.
[conversas sobre continuidade dos encontros. Final da gravação]